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Intervenção de Hélder Rosalino na Conferência "Portugal: From Here to Where?"

Publicado 27.05.2019, 13:08

Gostaria de começar por agradecer o convite que me foi dirigido para encerrar esta Conferência.

Felicito a organização pela escolha dos temas em discussão e, em particular, pelo mote que escolheu para este encontro: “Uma visão multidisciplinar sobre os desenvolvimentos financeiros e macroeconómicos da última década e a profunda transformação da próxima.”

Este mote capta, de forma sistemática, três ideias centrais:

  1. A última década foi marcada por acontecimentos e desenvolvimentos ímpares;
  2. A próxima década promete ser igualmente desafiante;
  3. Os desafios só serão ultrapassados se conseguirmos ter uma visão multidisciplinar.

Partindo destas ideias, focar-me-ei, sobretudo, ao nível dos impactos decorrentes das profundas transformações tecnológicas a que estamos a assistir, em especial sobre o sistema financeiro.

1. Os desenvolvimentos que marcaram a última década

A última década foi marcada pela crise financeira global que resultou na maior contração da atividade económica das economias desenvolvidas desde a Grande Depressão. O setor bancário foi fortemente abalado, incluindo na sua reputação, e isso levou a um significativo reforço da regulação e da supervisão.

Paralelamente, emergiu uma disrupção tecnológica sem precedentes que conduziu, entre outras áreas, a mudanças significativas na procura e na oferta de serviços financeiros.

A inovação tecnológica tem sido impulsionadora de uma transformação digital irreversível, em vários domínios da sociedade. No decurso da última década surgiram os smartphones, o online streaming, o crowdfunding, os veículos autónomos, a realidade aumentada, a massificação das redes sociais e os pagamentos autenticados por biometria, entre outras evoluções que entraram nas nossas vidas.

As expetativas dos consumidores e dos restantes agentes económicos evoluíram de forma substancial: rapidez, conveniência e baixo custo tornaram-se premissas obrigatórias em qualquer serviço.

As startup financeiras, que simplificadamente designamos por fintechs, perceberam estas mudanças e têm assumido um papel de destaque na resposta a estas necessidades no domínio financeiro.

As fintechs não trouxeram apenas soluções inovadoras assentes em tecnologia, trouxeram também novos produtos e novas abordagens de mercado.

Nesse sentido, podemos afirmar que vieram introduzir no sistema financeiro o princípio da “destruição criativa”, na medida em que estão a levar à reinvenção dos modelos de negócios tradicionais e à criação de novos serviços e produtos, mais customizados às reais necessidades dos clientes.

A área do setor financeiro em que estes avanços mais se estão a materializar é a dos pagamentos. Fazem já hoje parte do nosso dia-a-dia os pagamentos através do telemóvel, com contactless e as transferências imediatas, a par de outras soluções disruptivas. Os instrumentos de pagamento subjacentes não se alteraram, mas a forma de interação dos utilizadores com esses instrumentos está em acelerada transformação.

Esta é uma das áreas mais atrativas para novos prestadores de serviços, com um ADN tecnológico ou digital e uma preocupação sistemática com a oferta de um melhor serviço ao cliente.

Mas é também uma área que está a atrair os grandes gigantes tecnológicos (Google, a Apple, o Facebook, a Amazon e a Alibaba), que combinam poder tecnológico, com uma elevada capacidade financeira, uma relação direta com uma massa enorme de consumidores e, sobretudo, um acesso a um volume de informação nunca antes experienciado.

Neste cenário de crescente abertura e competição no mundo dos pagamentos, não foi por acaso que surgiu um novo enquadramento regulamentar europeu para os serviços de pagamento, vertido na Diretiva de Serviços de Pagamento revista (DSP2).

Esta diretiva, que constitui claramente um fator de avanço e de diferenciação positiva da Europa face a outras geografias, pretende contribuir para a criação de um mercado único para os serviços de pagamento que seja seguro (para prestadores de serviços de pagamentos e utilizadores), eficiente, inovador, aberto e concorrencial.

Muito se tem debatido sobre os novos serviços de pagamento que emergem desta diretiva: os serviços de informação sobre contas e os serviços de iniciação de pagamentos.

Contudo, o elemento mais disruptivo da DSP2 é o princípio do acesso às contas bancárias por outros prestadores que não os bancos onde essas contas estão domiciliadas e que eram até agora os detentores exclusivos deste “ativo”.

2. Os desafios da próxima década

Tendo em conta o processo de inovação em curso, na próxima década continuaremos seguramente a assistir a grandes transformações, porventura ainda mais acentuadas.

Selecionei quatro tendências que, na minha opinião, estarão no centro dos processos de transformação do sistema financeiro nos próximos anos.

  • A primeira é o “Open Banking”.

Os bancos desfrutam atualmente de um monopólio de dados sobre os seus clientes que estão armazenados nos seus servidores: conhecem o seu perfil financeiro, sabem onde compram e, cada vez mais, o que compram.

Na era do Open Banking, imposta pela DSP2, os bancos terão que partilhar estes dados com entidades devidamente autorizadas, tornando as contas bancárias uma espécie de “matéria-prima” acessível a qualquer operador, sobre a qual poderão ser desenvolvidos diversos serviços inovadores.

Novas entidades passam a poder aceder às contas bancárias para iniciar pagamentos e recolher informação, fazer uma leitura do perfil financeiro do cliente e, a partir daí, oferecer-lhe serviços inovadores, customizados e com valor acrescentado.

Múltiplas ofertas vão ser criadas e outros modelos de negócio vão florescer, o que constitui uma oportunidade de evolução para novos operadores, mas também para o sistema financeiro estabelecido.

Os bancos podem eles próprios prestar os novos serviços regulados pela DSP2, entrando, com pleno direito, neste jogo competitivo com os novos operadores ou absorvendo novas empresas que vão sendo criadas.

Há um universo de novas oportunidades a explorar, e quem não o fizer corre o risco de ficar fora do mercado, onde também entram os gigantes tecnológicos, que se preparam para oferecer serviços financeiros no retalho, retirando uma fatia do negócio aos bancos e a outras entidades financeiras já instaladas.

Isto é já hoje uma realidade: a Apple lançou em março passado o Apple Card, cartão de crédito em parceria com Goldman Sachs e a Mastercard; e o Facebook está a desenvolver um serviço de pagamentos para o WhatsApp, que permita enviar dinheiro entre os utilizadores de uma forma simples.

  • Outra tendência que se adivinha é a crescente utilização da Inteligência Artificial.

Esta tecnologia é já hoje amplamente utilizada pelo sistema financeiro, por exemplo na monitorização de operações de pagamento para deteção de fraudes e de tentativas de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo.

É também já usada na análise preditiva para apoiar a personalização de investimentos, no atendimento ao cliente através da robotização e no reforço da segurança digital.

Será possível, cada vez mais, que máquinas alimentadas por inteligência artificial interajam naturalmente com clientes e colaboradores, alterando os métodos de trabalho e os canais de relação com os clientes.

As instituições que não tirem partido da Inteligência Artificial na sua cadeia de valor desperdiçarão importantes oportunidades de transformação, correndo o risco de perder competitividade e mercado.

  • A terceira tendência passa pela utilização crescente de Big Data e de ferramentas de Analytics.

Com o advento do Open Banking e da Internet-of-Things, os diversos prestadores de serviços financeiros, e não só, poderão ter acesso a um amplo conjunto de dados dos clientes, combinando informação financeira e pessoal.

Nunca foi criada tanta informação como na atualidade. Cada pesquisa que fazemos na internet, cada “like” nas redes sociais, cada deslocação com “gps”, gera informação sobre os nossos interesses.

Esses e tantos outros dados de comportamento humano podem ser rapidamente agregados e trabalhados por ferramentas analíticas e, se forem adequadamente geridos e controlados, promoverão possibilidades de relacionamento e de negócio anteriormente inimagináveis. No futuro, customização será a palavra-chave para diferenciar serviço e fidelizar clientes.

A banca terá que responder a este desafio e oferecer, cada vez mais, soluções personalizadas e customizadas aos seus clientes, que atendam de forma dirigida às suas necessidades individuais. E para isso precisa de os conhecer bem.

  • A quarta tendência centra-se numa maior aposta em Plataformas Tecnológicas mais integráveis.

Os prestadores de serviços financeiros incumbentes ainda possuem infraestruturas tecnológicas baseadas em sistemas centrais, pesados, lentos e pouco responsivos ao ritmo da inovação (os chamados legacy systems).

Com um ecossistema em crescente exigência e complexidade, uma evolução para plataformas mais ágeis, distribuídas, escaláveis e integráveis é essencial para responder aos desafios atuais e futuros dos bancos (de que os sistemas em cloud são exemplo).

As fintech terão aqui um papel fundamental a desempenhar. São já muitas as instituições financeiras que estão a criar plataformas de cocriação e colaboração com startups financeiras, incorporando, de forma colaborativa, inovação e diferenciação nos seus modelos de negócio.

Este modelo de cocriação será fundamental para a evolução das instituições estabelecidas. As fintechs começaram a ser vistas como parceiras para responder às mudanças de comportamento dos clientes, às necessidades de atualização das infraestruturas tecnológicas, à redução de colaboradores, à redução das agências, em suma, à exigência de transformar um banco numa verdadeira empresa digital.

3. A necessidade de uma visão multidisciplinar

Resta-me abordar a necessidade absoluta de termos a atitude certa nesse âmbito, a qual passa por promover uma visão multidisciplinar, que nos permita ultrapassar os desafios com que teremos de lidar nos próximos anos.

Steve Jobs disse: “Technology alone is not enough.

De facto, não é! A tecnologia é muito importante, porque pode trazer inovação.

Mas é preciso mais. São precisas pessoas, para que essa inovação se materialize.

A aposta no conhecimento é por isso fundamental, do mesmo modo que o é a criação de um ambiente e de uma cultura de inovação permanente nas organizações.

É preciso integrar competências distintas, promover a diversidade e colocar a inovação como vetor estratégico da mudança.

Uma visão multidisciplinar requer, ainda, a incorporação de princípios e critérios de sustentabilidade na condução nos novos modelos de negócio, envolvendo a perspetiva ambiental, social e de governance.

Inovar não é apenas prestar os atuais serviços financeiros de forma inovadora, é prestar novos serviços financeiros, inovadores e sustentáveis e que atendam a todos os interesses em presença.

Esquecer essa verdade fundamental conduz a simplificações enganadoras, pouco consentâneas com o carácter multifacetado das soluções financeiras que cada vez mais os seus utilizadores requerem.

Como estaremos daqui a dez anos? Como se irá, por exemplo, pagar nessa altura? Como se concederá crédito? Será que em 2030 os cartões de pagamento serão uma relíquia do passado? Ninguém consegue verdadeiramente saber.

Mas transferências imediatas, micropagamentos, leitura de dados biométricos, tecnologia blockchain e utilização dos dados pessoais são já hoje uma realidade incontornável e que irá predominar no futuro. E é com esta nova realidade que temos todos que viver, incluindo os reguladores.

Há riscos? Sim. Mas os benefícios da inovação financeira superam claramente os riscos. Por isso, deve ser missão das entidades reguladoras criar condições que promovam a inovação e salvaguardar as situações de risco e de segurança, designadamente quando está em causa a proteção do utilizador financeiro face à intromissão ou a condicionamentos excessivos.

Os reguladores têm nos seus principais focos a preocupação de assegurar que todas as entidades sujeitas à supervisão são tratadas de forma equivalente, tendo em consideração os serviços prestados e, necessariamente, a sua dimensão. Procura-se assim garantir um tratamento justo e equilibrado entre incumbentes e novos participantes, seguindo o princípio “same business, same risks, same rules”.

Este é um dos quatro pilares que os reguladores definiram face ao desenvolvimento de serviços financeiros inovadores. Os restantes pilares são: a neutralidade tecnológica, a articulação entre autoridades e a prevenção/segurança.

Desde logo, os reguladores têm procurado garantir a neutralidade da regulação e da supervisão face à inovação, eliminando os fatores inibidores da inovação através da adaptação das normas às novas realidades e tecnologias, sem nunca perder de vista o fator segurança no contexto do interesse público.

A ação coordenada entre reguladores e supervisores assume também especial relevância, no que se refere a riscos prudenciais, à proteção dos consumidores, à prevenção do branqueamento de capitais, bem como ao nível da supervisão dos mercados de capitais e seguros.

Termino com uma visão otimista sobre o futuro, assente na ideia de que o principal beneficiado de todas estas transformações será certamente o consumidor, que passará a ter ao seu dispor serviços financeiros inovadores, mais seguros, desenhados para satisfazer melhor as suas necessidades e, em resultado de uma maior concorrência, a menor custo.

Do mesmo modo, estou certo que o sistema financeiro, incluindo aqui os novos prestadores de serviços financeiros, será capaz de responder aos enormes desafios que enfrenta e de se adaptar a um contexto em profunda transformação, reformulando a sua estratégia e aproveitando as oportunidades que a era do “open banking” oferece.

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