Como um “pequeno” detalhe pode mudar tanta coisa!

Publicado 26.04.2025, 13:31

Será que altos déficits comerciais nos EUA, são a justificação para tarifas mais altas?

Déficits aparecem sempre que a quantidade de bens e serviços que um país importa (neste caso os USA) durante um determinado período, excede a quantidade de bens e serviços que o país exporta. Isto significa o quê: os países com déficit comercial consomem mais do que aquilo que produzem, com o excesso de consumo pago com fundos emprestados do exterior ou com ativos vendidos a estrangeiros. Será isto verdade? Déficits comerciais contínuos iriam empobrecer qualquer país que o administrasse cronicamente e seriam obviamente insustentáveis. No caso dos USA, o país já apresenta consecutivamente desde 1976 déficits comerciais, e apesar desta situação, o património líquido “real” das famílias norte-americanas está hoje em níveis recorde, tal como o PIB “per capita”, a capacidade industrial dos USA e também o “stock” de capital do país.

A questão que se coloca é a seguinte: qual o preço que os USA pagou e ainda paga de estar a praticamente 50 anos com déficits comerciais anuais consecutivamente, e como os americanos ficaram “mais ricos” e a economia está mais forte?

Os déficits comerciais são contrabalançados/correspondidos por influxos de capital, também conhecidos como “superavits da conta de capital”. Nos USA, por exemplo, grande parte desses influxos é direcionada ao investimento em vez do consumo, o que acaba por resultar no crescimento do “stock” de capital do país, aumentando assim a produtividade dos trabalhadores e consequentemente a prosperidade dos cidadãos (forma/modo geral). Daí que lamentar o aumento dos déficits dos USA equivale a lamentar o interesse dos investidores estrangeiros pelos USA e consequente aumento da sua capacidade produtiva e riqueza.

Mas vejamos a situação de outro prisma: o que levou ao aumento da prosperidade dos USA apesar de constantes déficits comerciais? O segredo reside que uma enorme porção desses déficits são o resultado de uma convenção contabilística, mais especificamente, a convenção de classificar as participações internacionais em dinheiro como investimentos, ao invés de importações dos países nos quais essas participações aumentam. Nota: esta convenção pode ser encontrada na prática no “Manual da Balança de Pagamentos do FMI”.

Quando os estrangeiros possuem dólares americanos, esses fundos não são empregues na aquisição de exportações dos USA, resultando assim num aumento do déficit comercial do país equivalente ao montante dessas reservas em dólares. Na contabilidade do balanço de pagamentos, tais reservas são registadas como investimentos estrangeiros nos USA, ou de forma mais prática/técnica, como a aquisição de ativos americanos por estrangeiros. Essa mesma classificação é justificada, visto que os detentores estrangeiros de dólares podem esperar que o valor do dólar se valorize relativamente a outras moedas. No entanto, também teria uma certa lógica considerar essas mesmas reservas de dólares como exportações americanas. Os estrangeiros entregam aos USA grandes volumes de matérias-primas e outros bens/serviços nos quais possuem uma vantagem competitiva, em troca de um serviço no qual os USA se destacam, ou seja, o fornecimento de uma moeda que é “relativamente estável” e “particularmente valiosa”.

Os serviços fornecidos por uma moeda confiável não diferem em nenhum aspeto essencial de outros serviços valiosos, classificados como importações quando comprados do exterior, ou como exportações quando vendidos no exterior, como, por exemplo, serviços como turismo, educação, assistência médica e consultoria de investimento. Como a economia dos USA é grande e próspera e têm mercados financeiros sofisticados — e, porque o FED (Federal Reserve) é “relativamente” responsável em comparação com os restantes bancos centrais ao redor do planeta— as participações em dólares americanos fornecem aos estrangeiros um poder de compra confiável.

Portanto, os dólares mantidos e utilizados no exterior representam uma significativa produção americana, que eles exportam para o exterior (passo a redundância) em troca de bens/serviços que importam. Os USA não deveria valorizar menos a vantagem competitiva que detém em fornecer uma moeda extremamente útil para o comércio mundial em detrimento das vantagens que possui na produção de químicos, tecnologia, ou quaisquer outros bens/serviços. Apesar de as reservas em dólares não serem classificadas como exportações americanas na contabilidade do balanço de pagamentos, não existe uma justificação económica para essa omissão, daí que se efetivamente fossem tratadas como tal, o déficit comercial medido nos USA seria muito menor.

A título de exemplo, no 3 trimestre de 2024, o déficit comercial relatado dos USA foi de $233,6 billions. Neste mesmo trimestre, os dólares mantidos no exterior como reservas cambiais oficiais aumentaram em $122,3 biliões. Se efetivamente esses dólares mantidos como reservas cambiais fossem contabilizados como exportações americanas, o déficit comercial relatado dos USA para este mesmo trimestre teria sido de “somente” $111,3 biliões, ou se quisermos ver de outro prisma, menos de metade do tamanho do déficit relatado naquele mesmo período.

Certamente, que os dólares são mantidos no exterior não somente por governos, mas também por indivíduos e entidades privadas. Portanto, qualquer análise sobre como o déficit comercial dos USA reportado mudaria se as participações estrangeiras em dólares fossem classificadas como exportações americanas precisaria considerar também as variações nas reservas privadas de dólares. Contudo, uma coisa é clara: se essas participações estrangeiras em dólares fossem reconhecidas como exportações dos USA, o déficit comercial reportado seria significativamente menor. Isso iria reduzir as preocupações “infundadas” sobre a suposta falta de competitividade económica dos USA ou sobre um declínio económico iminente no país.

Obrigado e continuação de um ótimo dia!

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