Intervenção do Governador Carlos da Silva Costa na Sessão de Lançamento do Livro de Homenagem a José da Silva Lopes
20 mar. 2018
Intervenção do Governador Carlos da Silva Costa
Para o Banco de Portugal é uma honra associar-se ao lançamento do livro Estudos de Homenagem a José da Silva Lopes. Trata-se de uma mais do que justa homenagem a um economista que tão bem soube prestigiar a sua profissão e a um homem exemplar, quer enquanto servidor da causa pública quer através da sua permanente intervenção cívica.
O enorme apreço e admiração que o Banco de Portugal tem pela figura ímpar do Dr. José da Silva Lopes foi já expresso em várias ocasiões, de que destaco duas conferências de homenagem:
- Em dezembro de 2003, a Conferência organizada em conjunto com outras entidades – incluindo o Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) – como reconhecimento público da carreira notável e multifacetada do Dr. Silva Lopes. Tivemos, na altura, o privilégio de contar ainda com a sua presença, as suas opiniões informadas e frontais, a sua honestidade intelectual e o seu proverbial e autoproclamado pessimismo;
- Em dezembro de 2015, já após o seu falecimento, a Conferência internacional de homenagem promovida pelo Banco, na qual prestaram testemunho diversas individualidades nacionais e internacionais que, em diversas capacidades, tiveram o privilégio de privar com o Dr. Silva Lopes.
O Dr. José da Silva Lopes foi um dos mais eminentes e reconhecidos economistas portugueses dos últimos cinquenta anos, tendo sido um atento investigador da economia nacional. Enquanto profissional, soube aliar duas importantes caraterísticas que fizeram dele um economista completo:
- Uma sólida base de conhecimento teórico;
- Um conhecimento prático, decorrente da experiência de quem esteve na primeira linha e foi protagonista das grandes transformações da economia portuguesa nas últimas décadas.
Embora não tenha optado pela carreira académica, o seu curriculum, tanto do ponto de vista analítico como didático, é assinalável.
Foi autor de uma vasta bibliografia, incluindo estudos que ainda hoje são referência obrigatória para alunos e investigadores da economia portuguesa, assunto que conhecia em profundidade, como muito poucos. A título meramente ilustrativo, saliento o livro A Economia Portuguesa desde 1960, que proporciona uma visão sistematizada e detalhada da evolução económica desde 1960 até à década de 90, sem esquecer o enquadramento institucional e a regulação económica pré e pós 1974. Muitos outros estudos poderia referir, do vasto legado que nos deixou.
Dedicou, também, grande parte da sua vida à atividade docente Universitária, com regência de vários cursos em diversas faculdades.
Ao longo do seu percurso profissional, desempenhou muitos e prestigiados cargos, de entre os quais os de Ministro das Finanças, Governador do Banco de Portugal, Deputado à Assembleia da República, Presidente do Conselho Económico e Social e Administrador do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento. Aquando do seu falecimento, em abril de 2015, era membro, por inerência, do Conselho Consultivo do Banco de Portugal, com uma presença assertiva e de interpelação construtiva que eu sempre muito prezei.
A nível internacional, não podemos esquecer o seu envolvimento muito ativo nas negociações para a adesão de Portugal à EFTA (1959) e ao GATT (1961) e na preparação do Acordo de Comércio Livre com a CEE (1972). Exerceu também, em múltiplas ocasiões, funções de consultor do Banco Mundial e de outros organismos internacionais.
Nos anos noventa, teve um papel fundamental na reformulação da legislação aplicável ao sistema financeiro português, enquanto Relator do Conselho para o Sistema Financeiro, que eu próprio também integrei, a título pessoal. Do trabalho desenvolvido, resultou o Livro Branco sobre o Sistema Financeiro (1992) que serviu de base à reforma global do quadro normativo vigente.
Governador do Banco de Portugal entre 1975 e 1980, o Dr. José da Silva Lopes conduziu a gestão do Banco num momento particularmente difícil da história económica e financeira recente do País.
Enquanto Governador, teve um papel central na superação da crise de balança de pagamentos de 1977 que impôs uma alteração das prioridades da política económica portuguesa. Nessa capacidade, foi responsável pela introdução em Portugal do regime cambial de desvalorização deslizante (crawling-peg) do escudo, que ajudou a ultrapassar o período de grande instabilidade económica e financeira vivido na sequência do primeiro choque petrolífero e das profundas alterações políticas, económicas e sociais no nosso País. Como o próprio declarou mais tarde, “o crawling-peg foi um dos milagres da economia portuguesa. Todas as vezes que o meu pessimismo histórico não funcionou foi por causa de um milagre qualquer!”. [2]
A dimensão dos desafios que teve de enfrentar torna-se ainda mais significativa se perspetivada à luz da história do Banco de Portugal e daquilo que era a realidade do Banco na altura em que assumiu funções.
Depois da nacionalização, em setembro de 1974, a Lei Orgânica publicada em novembro de 1975, atribuía ao Banco de Portugal o estatuto de banco central e incluía, pela primeira vez, a função de supervisão do sistema bancário. Por outro lado, a atividade do Banco decorria num quadro em que era escasso o acesso a fontes de informação e a estudos teóricos e as estatísticas disponíveis eram muito incompletas e pouco sofisticadas.
Perfeitamente ciente das dificuldades e dos constrangimentos existentes, o Dr. Silva Lopes apostou desde cedo no envolvimento de economistas de renome internacional e de uma equipa do MIT, que trouxeram conhecimento, visão estratégica e novos instrumentos.
Enquanto Governador, lançou as bases de um departamento de estudos e de estatísticas devidamente equipado em termos de conhecimento e de competências, contribuindo decisivamente para a afirmação do Banco de Portugal como um centro de excelência na análise económica. O seu papel foi, indubitavelmente, determinante para o reforço do prestígio da investigação económica realizada na instituição, servindo também como indutor do reforço quantitativo e qualitativo da investigação económica em Portugal.
O legado que deixou intacto e se encontra no Arquivo do Banco de Portugal é testemunho não só dos grandes desafios que teve de enfrentar enquanto Governador mas também da sua forma exemplar de trabalhar.
Muito obrigado.
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