A Comissão Europeia apresentou esta semana uma das suas propostas mais importantes no domínio da saúde, a Lei dos Medicamentos Críticos, que visa reforçar a segurança do abastecimento e a disponibilidade de medicamentos essenciais em toda a UE.
Embora ambiciosa nalgumas áreas, como a proposta de um mecanismo "Comprar Europeu" e de uma nova classe de medicamentos de "interesse comum", noutros aspetos não foi espetacular, em especial no que se refere à coordenação das reservas de emergência. O financiamento, como tantas vezes acontece em matéria de saúde, continua a ser uma preocupação fundamental.
A Euronews destaca as principais questões em aberto que ainda precisam de ser abordadas.
Que risco acarreta a proposta protecionista "Comprar Europeu"?
Um dos aspetos mais falados da proposta é o princípio "Comprar Europeu", que dá prioridade à segurança do abastecimento em detrimento do custo nos contratos públicos.Ao abrigo desta nova regra proposta, as entidades adjudicantes da UE aplicarão requisitos em matéria de contratos públicos que favoreçam os fornecedores que fabricam uma parte significativa dos medicamentos essenciais na UE.
"Esta medida enquadra-se perfeitamente nos limites do que já existe na UE. Trata-se, afinal, de uma razão imperiosa de saúde pública, porque temos um problema de segurança do abastecimento", afirma o comissário europeu responsável pela saúde, Olivér Várhelyi.
Esta nova abordagem poderá expor a UE ao descontentamento do comércio internacional. Afinal, não está longe da política "Buy China" de Pequim relativa aos dispositivos médicos, recentemente contestada abertamente pela UE, uma vez que restringe o acesso de fornecedores estrangeiros, incluindo os da UE, aos contratos públicos.
No início deste ano, o executivo da UE publicou um relatório que apresenta provas das restrições injustas impostas pela China, defendendo que a abertura do mercado deve ser recíproca.
Se for aplicada, a iniciativa "Comprar Europeu" poderá colocar a UE numa posição semelhante, arriscando-se a sofrer retaliações dos parceiros comerciais e a ver reduzido o seu acesso aos mercados estrangeiros.
Trazer a produção de volta para a Europa (ou para mais perto)
Para reduzir a dependência de países terceiros, a proposta promove o aumento da produção europeia de medicamentos essenciais, bem como a nova categoria de medicamentos de interesse comum.Mas será que estes medicamentos têm de ser fabricados em solo europeu? De acordo com a nova proposta, nem por isso. A Comissão planeia reforçar a cooperação bilateral e estabelecer novas parcerias estratégicas para garantir fontes de abastecimento diversificadas.
"Confio plenamente nos países candidatos e nos países da nossa vizinhança mais próxima, que devem estar numa posição privilegiada para nos ajudar a retomar a produção na UE ou mais perto da UE", afirma Várhelyi.
Os funcionários da UE também mencionaram a possibilidade de colaboração com outros países terceiros europeus mais alargados, como o Reino Unido e a Suíça, tendo em conta os fortes laços comerciais e a proximidade.
Mostrem-nos o dinheiro - porque até agora não há muito
Uma das principais lacunas da proposta é o financiamento limitado. O orçamento indicativo de 83 milhões de euros para 2026-2027, proveniente principalmente do programa EU4Health, é relativamente modesto.Este financiamento irá provavelmente cobrir apenas os esforços de coordenação da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e da Comissão Europeia, em vez de apoiar mudanças de produção em grande escala.
Embora os projetos estratégicos possam receber financiamento adicional de programas da UE como o Horizonte Europa e o Programa Europa Digital, não é certo que estes recursos sejam suficientes.
Antes da apresentação da proposta, 11 ministros da saúde da UE apelaram ao alargamento do âmbito do financiamento da defesa da UE para incluir os medicamentos essenciais. No entanto, Várhelyi rejeitou esta ideia, sublinhando a necessidade de recorrer aos auxílios estatais.
Para facilitar este processo, a Comissão afrouxou as restrições às definições de auxílios estatais em algumas novas diretrizes, incentivando os Estados-membros a investirem os seus orçamentos nacionais nesta iniciativa.
A contratação pública conjunta é melhorada
A proposta inclui mecanismos reforçados para a contratação pública conjunta, com a Comissão a assumir um papel mais importante.Tradicionalmente, os contratos públicos conjuntos permitem que a Comissão e, pelo menos, nove Estados-membros negoceiem como um único bloco de compras, tirando partido da procura colectiva para obter melhores condições.
A nova proposta formaliza e alarga este mecanismo, permitindo à Comissão atuar como comprador central quando solicitada por, pelo menos, nove Estados-membros.
Além disso, é introduzido um modelo de contratação transfronteiriço facilitado pela Comissão, em que o executivo da UE presta apoio logístico e administrativo aos Estados-membros que gerem os seus próprios contratos.
Esta formalização baseia-se em anteriores esforços de aquisição liderados pela Comissão, como a aquisição de vacinas contra a varíola e a gripe.
Não está a faltar nada? A questão do stock de emergência
Uma das principais recomendações da Critical Medicines Alliance - um organismo das partes interessadas que analisa as vulnerabilidades da cadeia de abastecimento - foi a criação de um quadro comunitário harmonizado para a constituição de reservas de emergência.No entanto, este aspeto foi totalmente omitido da proposta. Uma abordagem de constituição de reservas a nível europeu garantiria que os Estados-membros não competissem entre si pelos fornecimentos e pudessem contar com a solidariedade da UE em caso de escassez.
Sem coordenação, os esforços de constituição de reservas correm o risco de se fragmentarem, conduzindo a ineficiências e potenciais desigualdades.
"Não pode voltar a acontecer que os países maiores armazenem medicamentos sem os partilharem com os países mais pequenos que deles necessitam", sublinhou o eurodeputado croata Tomislav Sokol, do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos) e dos Democratas Europeus.
A proposta de diretiva vai agora ser submetida ao processo legislativo e espera-se que os eurodeputados apresentem alterações que defendam medidas de armazenamento coordenadas