Por Sergio Goncalves
LISBOA, 18 Set (Reuters) - Portugal vai alterar a hierarquia de credores em resoluções ou liquidações de bancos para proteger mais os depósitos de grandes instituições acima de 100 mil euros face à dívida sénior num 'bail in', terminando a actual situação 'pari passu' dos dois produtos, disse o secretário de Estado Adjunto e das Finanças.
Actualmente, em Portugal, num 'resgate interno' de um banco, o capital é o primeiro a responder por perdas, seguindo-se a dívida subordinada e a dívida sénior, mas os depósitos de grandes instituições acima de 100 mil euros são considerados credores comuns em simultâneo com os obrigacionistas séniores.
Nesta hieraquia de credores num 'bail in', seguem-se os depósitos de PMEs acima de 100 mil euros, que têm alguma proteção pois são os últimos 'a ser chamados', enquanto os depósitos até 100 mil euros estão protegidos pelo Fundo de Garantia Bancária.
Mas, seguindo uma proposta do Banco de Portugal em Maio, o Governo está a preparar a alteração desta graduação para impôr que "os depósitos de grandes instituições só serão chamados após toda a dívida sénior, o que torna estes depósitos mais seguros e evita comportamentos de pânico, que possam prejudicar a estabilidade financeira".
"Com esta alteração fica claro que estes depósitos são mais seguros do que a dívida sénior. O objectivo é a estabilidade do sistema financeiro e pôr estes depósitos como algo que é um instrumento de poupança mais seguro e sobre o qual não existam dúvidas", disse o secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix à Reuters.
Este diploma deverá ir a Conselho de Ministros (CM) "nas próximas semanas", para ser enviado para discussão e aprovação no Parlamento, tendo o Governo já discutido a questão com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista Portugues (PCP), "que do ponto de vista de princípio estão de acordo".
"Estamos a falar de, até ao final do ano, o ter aprovado pelo Parlamento. Acho que pode ser aprovado por uma larga maioria ou até unanimidade porque não há aqui nenhuma questão política candente, não é uma questão de esquerda ou direita, é uma questão de estabilidade financeira que interessa a todos".
Ricardo Mourinho Félix lembrou que, ao contrário de muitas grandes empresas privadas, que gerem os seus depósitos no sistema bancário internacional, as grandes instituições públicas não o fazem.
"Estamos a falar dos depósitos das empresas públicas depositados no sistema financeiro português, mas também dos depósitos dos fundos de pensões, em particular dos fundos de pensões da Segurança Social, e dos depósitos do IGCP-Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública junto dos bancos portugueses".
"Estas entidades públicas, no caso de resolução ou liquidação são actualmente equiparadas a credores séniores, mas têm um produto financeiro que é um depósito", adiantou.
O secretário de Estado frisou que esta maior proteção deste depósitos "já existe em outros países como Itália e Alemanha e foi defendida pelo Banco Central Europeu (BCE), num parecer que publicou sobre uma proposta da União Europeia relativamente ao enquadramento das instituições de crédito e empresas de investimento quanto a resolução ou liquidação".
Ricardo Mourinho Félix lembrou que, até agora, em Portugal, estes depósitos foram sempre protegidos na íntegra em resoluções ou liquidações, "mas devido a uma decisão casuística ou arbitrária da Autoridade de Resolução".
"A passarmos (no Parlamento) este projecto de lei, ficamos numa situação em que isso já está pré-definido e deixa de haver quaisquer dúvidas e qualquer necessidade de decisão nesse sentido", disse o secretário de Estado.
NOVO BANCO?
Adiantou que esta alteração legislativa não visa especificamente o caso do Novo Banco, que tem em curso uma oferta comercial para os 'bondholders' depositarem neste 'good bank' o fruto do reembolso antecipado com 'haircuts' de obrigações, embora se aplique a qualquer banco.
"O objectivo não é esse. Mas aplica-se a todos os bancos, a todos os detentores de dívida sénior, a todos os depósitos.
Admito que as pessoas reflitam nisso, mas não é de todo esse o objectivo", acrescentou.
"Obviamente, aplicam-se a todos os detentores de depósitos e dívida sénior, seja do Novo Banco, seja de que banco for", disse.
A primeira convocatória de AGs de 'bondholders' do Novo Banco garantiu o reembolso antecipado de obrigações com um valor nominal de 2.343 milhões de euros (ME) ou 37 pct da meta global definida para o sucesso do LME-Liability Management Exercise, que é pré-condição para a venda de 75 pct deste 'good bank' à Lone Star.
O LME, lançado em 24 de Julho, visa reforçar o capital do Novo Banco em 500 ME, através de uma oferta de recompra de 36 séries de obrigações, com descontos que oscilam entre os 11 pct e os 90 pct face ao valor nominal.
O Novo Banco definiu como condição de êxito desta recompra atingir o patamar dos 6.276 ME, faltando quase 4.000 ME para cumprir esse objectivo.
Esta recompra de obrigações é uma condição precedente à venda à Lone Star que, nos termos do acordo de compra e venda, injectará 1.000 ME de capital no Novo Banco - 750 ME no momento da conclusão da operação e 250 ME em 3 anos - e adquirir 75 pct do 'good bank', mantendo o Fundo de Resolução 25 pct.
A venda do Novo Banco à norte-americana Lone Star deverá ser concluída até Novembro próximo, disse recentemente o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, frisando que este calendário é do conhecimento da DGComp e SSM. (Por Sérgio Gonçalves; Editado por Daniel Alvarenga)