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Crise da Libra e da Economia britânica: O que se passa no Reino Unido (2022)?

Publicado 23.10.2022, 18:53
Atualizado 23.10.2022, 19:10
© Reuters.  Crise da Libra e da Economia britânica: O que se passa no Reino Unido (2022)?

Com a introdução de um “mini-budget” pelo novo Ministro da Finanças do Reino Unido, o país entrou em alvoroço: a libra desceu para mínimos históricos, os fundos de pensões estão à beira do colapso, o Banco de Inglaterra entrou em modo gestão de crise e até já há apelos para que o recentemente empossado ministro se demita.

Mas afinal, o que se anda a passar?

O Cenário Financeiro envolvente

Para que melhor nos seja possível compreender o que levou a tamanha comoção no Reino Unido, convém primeiro compreender o ambiente financeiro e os recentes desenvolvimentos dos agentes económicos que participaram no mais recente episódio da economia bretã.

O Mercado de Obrigações britânico

O Reino Unido, para além de ter um dos maiores mercados financeiros do mundo, é o segundo país com maior valor em fundos de pensões.

Estes fundos de pensões, tendo o tempo do seu lado, investem maioritariamente em obrigações de longo-prazo. Mais especificamente investem em obrigações emitidas pelo Governo britânico, chamadas de gilt.

Estas obrigações são uma das maneiras que o Governo tem de se financiar: os fundos de pensões entregam dinheiro ao Governo, e este vai pagando aos fundos uma certa percentagem anual ou semestralmente (juros) e no futuro, a 20 ou 30 anos, devolve o dinheiro emprestado integralmente.

A maior parte do mercado de gilts é composto por estes fundos de pensões (os segundos maiores do mundo) e seguradoras no mercado de seguros de vida. Tendo em conta o peso dos fundos de pensões no financiamento do Governo através de dívida emitida, é seguro dizer que os fundos de pensões são um agente a ter em conta nos mercados financeiros do Reino Unido.

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O Combate à Inflação

Estando a inflação a atingir níveis recorde em vários países e não existindo sinais de abrandamento, no Reino Unido, o Bank of England, afim de estagnar a inflação, tem vindo a subir as taxas de juro e a adoptar uma política monetária à qual se dá o nome de quantitative tightening.

Este “aperto quantitativo” é uma medida contracionista, que consiste na venda dos activos que os Bancos Centrais detêm, de forma a reduzir a moeda em circulação. Neste caso em concreto, o BoE começou a vender gilts, aumentando a oferta destas no mercado, para que ao serem compradas, existisse menos dinheiro a circular na economia, pois o dinheiro estaria na posse do Banco.

Tanto o aumento das taxas de juro como o quantitative tightening são medidas que planeiam reduzir a inflação abrandando a economia através de uma redução do dinheiro que existe em circulação na mesma, ou seja, contraindo a economia – um mal geralmente entendido como necessário para que a inflação abrande.

As medidas peculiares de Kwarteng

No dia 9 de Setembro de 2022, a recentemente eleita primeira-ministra, Liz Truss, nomeia como “Chanceler do Tesouro” britânico Kwasi Kwarteng. Podemos dizer que este é o cargo equivalente ao de Ministro das Finanças, em Portugal.

Kwasi Kwarteng, Chanceler do Tesouro britânico

Uma das primeiras medidas que este decide adoptar é a implementação de um “mini-budget“, assim chamado porque só é “budget” caso seja aprovado pelo Office of Budget Responsability britânico. É a análise do OBR e a sua previsão relativamente às suas futuras despesas e receitas que conferem ao orçamento do ministro o estatuto de “budget” de pleno direito.

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Adicionalmente, neste mini-orçamento, o Chanceler decidiu focar-se no estímulo do crescimento da economia, mas de uma maneira extremamente peculiar, adoptando medidas como:

  • A reduções aos impostos sobre os rendimentos apenas de quem ganhe acima de 150 mil libras e
  • A eliminação do limite imposto aos bónus dos banqueiros, entre outras políticas.

A Reacção dos Mercados

Num clima de incerteza e volatilidade como a que vivemos hoje em dia, os investidores gravitam ainda mais do que o normal para a estabilidade, a segurança, e uma economia que inspire confiança.

Dado que o governo do Reino Unido acabou de ser substituído, pela 4ª vez em 6 anos, poderíamos argumentar que este já não estaria numa fase que emanasse a mais plena segurança.

Adicionalmente, é possível defender que a iniciativa que Kwasi Kwarteng tomou exacerbou ainda mais a desconfiança dos investidores por, pelo menos 4 motivos:

  • “Mini” Budget

Tendo em conta que existe um gabinete independente, o OBR, propositadamente criado para rever, aprovar e prever impactos futuros de possíveis orçamentos, seria de esperar que este fosse utilizado.

O facto do Chanceler do Tesouro britânico ter comunicado um orçamento construído pelo seu ministério sem o mínimo aval desse gabinete, criado com o único propósito de dar esse tipo de avales, indica uma certa falta de detalhe e escrutínio no orçamento proposto.

Essa falta de exame e minúcia, naturalmente, não ajudou a inspirar confiança nos mercados.

  • Estimular o crescimento através de “trickle-down economics

Acresce que, para além de aparentar ser um orçamento feito à pressa, o tipo de medidas que nele estão inscritas – apoiando os mais ricos, contando que estes gerem riqueza que depois seja transferida para os mais pobres – tem um nome particular: trickle-down economics.

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Este conceito, famosamente adoptado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher – uma das políticas mais infames do Reino Unido – é algo que hoje em dia é visto por muitas pessoas como uma ideia que não funciona e que apenas aumenta a desigualdade social, tendo sido inclusive criticada por Joe Biden.

  • Estimular o crescimento numa época de inflação

Quando uma economia tem inflação demasiado alta, cada moeda tende a valer menos.

Exemplo: 1kg de arroz custa 10€ hoje, logo cada euro vale 100g de arroz. Digamos que amanhã 1kg de arroz passa a custar 20€, logo cada 100g de arroz passa a valer 2 euros e cada (1) euro paga agora apenas 50g de arroz.

Se a moeda vale menos, uma das soluções para que volte a valer mais é simplesmente restringir a moeda em circulação na economia. Diminuindo-se a oferta e provocando-se a escassez de um bem ele geralmente vai passar a valer mais – veja-se o caso dos diamantes.

É por isso que os bancos centrais estão todos a aumentar as taxas de juro: para que haja menos dinheiro a circular para que o dinheiro que circula valha mais.

Havendo menos dinheiro a circular, é natural que a economia abrande e o seu crescimento diminua – daí que os analistas estejam todos a rever as taxas de crescimento previstas em baixa.

Ora, numa altura em que, para controlar a inflação, a maior parte dos países está a estagnar a sua economia, ter o Ministro das Finanças a tentar estimular o crescimento como um dos seus primeiros actos oficiais, naturalmente, não aparenta ser a decisão mais sensata.

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  • Choque entre Política Fiscal e Monetária

Além da dissonância entre a direcção global e a direcção do Ministro das Finanças britânico, há uma discordância ainda mais grave: o próprio Bank of England (Banco Central) tem estado a aumentar as taxas de juro a fim de estagnar a economia.

“É difícil demonstrar coordenação quando a política fiscal tem o pé no acelerador e a política monetária tem o pé no travão.”

Paul Hollingsworth, economista

Ou seja, enquanto o Bank of England tem vindo a adoptar há meses uma política monetária numa direcção (contracção), chega o novo Governo britânico e implementa uma política fiscal numa direcção totalmente contrária (crescimento).

Esta imagem, evidentemente, transparece um caos total para qualquer investidor que nela repare, e é um remate final que assustaria qualquer investidor que não se tivesse desencorajado com a falta de destreza demonstrada nos três motivos anteriores.

Os Desenvolvimentos do Puzzle Económico

O cenário, a acção e a reacção que a acção obteve fizeram a bola de neve perfeita para que houvesse a implosão que tantos jornais mundiais correu, algo que pretendemos fazer entender tentando juntar todas as peças para que o puzzle se aparente mais claro.

As peças do puzzle

Houve vários factores, muitos mais do que os que aqui descrevemos, para o desembrulhar de situações que tem acontecido no Reino Unido, no entanto, tentamos aqui elencar aqueles que nos parecem os principais de modo a que se consiga perceber o contributo que tiveram cada um dos 3 elementos acima e qual a consequência final.

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Quantitative Tightening

Começando pela política de quantitative tightening do BoE, o facto deste ter começado a vender gilts e aumentado a sua oferta fez com que o preço das guilts diminuisse. Mais guilts, mais oferta, menos vale cada gilt – tal como a moeda, no exemplo acima.

Desconfiança na Economia

Como estabelecemos, a confiança dos mercados na economia britânica já estava longe do seu auge. No entanto, com as medidas que implementou, Kwasi Kwarteng parece ter conseguido diminuir ainda mais qualquer réstia de optimismo que pudesse existir na sua economia.

Quando os mercados perdem a confiança num Governo, aumenta a taxa de juro (anual ou semestral) que o Governo tem de pagar sobre a dívida que emite.

Isto porque diminui a confiança do público de que o Governo conseguirá pagar a totalidade do que pediu emprestado no final da gilt emitida. Duvidando que o Governo consiga reembolsar tudo daqui a 20 anos, as pessoas exigem que pague mais de juros agora para se precaverem, portanto a taxa de juro aumenta.

Adicionalmente, a guilt emitida também passa a valer menos, visto que ninguém quer investir na compra de uma dívida que não sabe se vai ser integralmente paga de volta no futuro.

Os Fundos de Pensões

Ora, nas duas peças acima, estabelecemos que ambas contribuíram para uma diminuição no preço dos gilt.

Quem é que tinhamos visto que tinha um portfólio quase todo cheio de gilts? Os fundos de pensões.

E porque é que isso interessa?

Porque os fundos de pensões, de forma a cobrirem possíveis riscos e oscilações nos seus investimentos, investiram também em derivados.

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Estes derivados, consoante o mercado e outros factores, podem ser transacionados com alavancagem (margin). Quando é chamada uma margin call, o investidor é obrigado a pagar uma certa quantia imediatamente, de forma a manter o seu investimento. O que foi exactamente o que aconteceu.

Com a queda do preço das gilt e com a desconfiança no Governo britânico, os fundos de pensões começaram todos a receber margin calls e foram obrigados a liquidar os seus activos – neste caso, as gilts que detinham, o seu principal activo – para conseguirem pagar.

Gilts essas que tinham um preço já reduzido pelos dois factores mencionados acima, o que fez com que tivessem de vender mais gilts do que o que teriam de vender anteriormente, o que fez com que o preço baixasse ainda mais.

TL;DR (“Too long, didn’t read”)

Devido a todos os factores que elencámos acima, impulsionados pelo mini-budget que Kwazi Kwarteng lançou, de forma a impedir o colapso total dos fundos de pensões – os segundos maiores do mundo -, a restaurar a confiança nos mercados financeiros britânicos e a estabilizar a economia, o Bank of England viu-se obrigado a injectar 65 mil milhões de libras na economia.

Para além disso, as acções do chanceller britânico que desencadearam esta bola de neve, obrigaram o Bank of England a reverter completamente a sua política de quantitative tightening, adoptando assim uma política de quantitative easing, ao servir-se dos 65 mil milhões de libras para recomprar gilts, subindo assim os seus preços e salvando os fundos de pensões.

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Assim sendo, o BoE, que até então tinha estado a tentar diminuir a inflação através de duas políticas contracionistas – aumento da taxa de juro e quantitative tightening – vê-se agora obrigado a fazer um 180 completo numa das suas medidas e sem alternativa senão a implementação de uma medida estimuladora e inflacionista – o quantitative easing – no auge da maior inflação dos últimos anos.

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