Por Sergio Goncalves
LISBOA, 22 Nov (Reuters) - A associação de pequenos investidores ATM acusa o espanhol Caixabank CABK.MC de injustamente favorecer Isabel dos Santos, com a venda de dois pct detidos pelo BPI no Banco de Fomento Angola (BFA) à telecom angolana Unitel, algo que pode abrir uma guerra judicial e complicar o 'bid' do espanhol.
Amanhã, a Assembleia Geral (AG) do BPI vai deliberar a venda daqueles dois pct à Unitel - que tem a empresária angolana Isabel dos Santos como accionista chave - por 28 milhões de euros (ME), visando cumprir a exigência do Banco Central Europeu (BCE) que o banco português reduza a exposição a Angola.
Contudo, a Associação de Investidores e Analistas Técnicos (ATM) calcula que o Caixabank está a oferecer à Unitel, que considera parte-relacionada com a Santoro de Isabel dos Santos, um prémio de controlo de 307,4 ME, permitindo-lhe controlar 51,9 pct do rentável BFA, enquanto o BPI reduziria para 48,1 pct.
A ATM frisou que, apesar do Caixabank dar aquele elevado prémio à Unitel, não distribui o mesmo pelos restantes 48,1 pct, que o BPI vai continuar a deter no BFA.
Assim, a ATM exige que o Caixabank suba o preço do seu 'bid' sobre o BPI para 3,15 euros por acção, dado o prémio implícito na transferência de controlo do BFA para Isabel dos Santos, face aos actuais 1,134 euros. O Caixabank tem dito que quer concluir a OPA até ao final deste ano.
Octavio Viana, presidente da ATM, disse que, com a sua congénere espanhola AEMEC-Asociación Española de Accionistas Minoritarios e a associação europeia Better Finance, já reuniu com o chairman e o CEO do BPI, alertando para "a falta de equidade da contrapartida oferecida na OPA e o risco da expectável litigância em torno destas operações".
Adiantou que a ATM, a AEMEC e a Better Finance também se reuniram com o presidente e vice presidente da CMVM-Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, pedindo que intervenha e nomeie um auditor independente para fixar uma contrapartida justa.
"Transmitimos à CMVM que, caso não se verifique uma revisão em alta do preço ou não seja nomeado um auditor independente para fixar a contrapartida, como obriga o Código de Valores Mobiliários em casos destes, iríamos contestar a decisão em sede judicial e intentar uma acção contra o próprio Estado português a pedir uma indemnização", disse Octávio Viana à Reuters.
"Os advogados da ATM, em conjunto com advogados americanos e espanhóis, estão já a trabalhar na petição inicial, a qual, em todo o caso, só poderá ser terminada depois da AG de accionistas (de amanhã)", afirmou o presidente da ATM.
Vincou que "importa saber se o presidente da mesa da AG, para além de estar a impedir a participação de dois accionistas activistas contestatários, vai ou não impedir o Caixabank; a Unitel; o BIC de Isabel dos Santos; e a Allianz (DE:ALVG), que é parceiro e tem 8,4 pct, de votarem" por serem partes relacionadas.
"Se não o fizer tal é mais um fundamento para pedir a nulidade da deliberação. Os fundamentos são variados, mas essencialmente assentam no facto da operação proposta para deliberação ser ostensivamente contra o interesse da sociedade".
Um porta-voz do Caixabank referiu que o banco espanhol não participou nas negociações entre o BPI e a Unitel sobre aquela venda, nem participou ou esteve presente na reunião do 'board' do BPI onde foi aprovada.
Quanto à queixa dos accionistas, o porta-voz fez referência a uma declaração anterior do seu CEO, Gonzalo Gortazar, descrevendo a oferta a 1,134 euros/ação como "adequada".
Até ao momento, não foi possível obter um comentário oficial da Santoro.
CMVM ATENTA
Fonte oficial da CMVM disse que "a questão da contrapartida será avaliada no âmbito do pedido de registo da OPA, que ainda está incompleto".
"Se a CMVM considerar que a contrapartida não é devidamente justificada ou não é equitativa, está previsto no Código de Valores Mobiliários a nomeação de um auditor independente para fixar o preço".
Octávio Viana disse que "a CMVM está a acompanhar muito de perto todo este tema", vincando: "acreditamos que a CMVM vai tomar a decisão mais adequada, perfeitamente estribada na lei e visando garantir o tratamento igualitário dos accionistas e equidade da contrapartida".
"Julgo que neste momento o que impede a CMVM de decidir pela nomeação de uma auditor independente é o risco do Caixabank poder retirar a OPA e sujeitar, com isso, o BPI a uma medida de resolução por parte do BCE", disse, lembrando que o banco não conseguiria resolver o problema da sua exposição a Angola.
BCE EXIGENTE
Desde Dezembro de 2014, o Banco Central Europeu (BCE) vem exigindo ao BPI que reduza a sobre-exposição aos riscos de Angola, país que as autoridades europeias deixaram de considerar ter a mesma equivalência de supervisão. Tal implicou passar a ponderar aquele risco a 100 pct, quando antes o BPI tinha apenas de provisionar entre zero pct e 20 pct da exposição.
Mas, na sequência da OPA do Caixabank, o BCE suspendeu a multa diária prevista de 160 mil euros, que seria uma machadada na rentabilidade.
"O BCE parece ter um plano de unificação da banca ibérica para eliminar pequenos bancos com risco sistémico, incorporando-os em bancos maiores com alguma solidez, pelo que é natural que esteja, nesta operação, a beneficiar o Caixabank na medida em que vai ao encontro dos seus objectivos", disse Octávio Viana.
Isabel dos Santos, filha do presidente de Angola e a segunda maior accionista com 18,6 pct do BPI, manteve um longo 'braço de ferro' com o Caixabank - maior accionista com 45 pct - e travou sempre as investidas do Caixabank para controlar o BPI, tirando partido do anterior limite de votos de 20 pct.
Contudo, a 20 de Setembro, o 'board' do BPI propôs vender 2 pct da 'jóia da côroa' BFA à Unitel, mas Isabel dos Santos tinha de viabilizar o fim do limite dos votos, que era condição para o sucesso do 'bid' do Caixabank.
A 21 de Setembro, Isabel dos Santos absteve-se na AG que desblindou os Estatutos, permitindo acabar com aquela limitação.
Entretanto, segundo um despacho do presidente de Angola de 16 de Agosto, o Caixabank abriu uma linha de crédito de 400 ME ao Estado angolano, dada a "necessidade de se diversificar as fontes de financiamento para a cobertura de projectos de investimentos públicos atinentes ao desenvolvimento económico e social do País".
"Trata-se de uma linha de crédito cirurgicamente concedida ao governo de Angola no exacto momento em que a Santoro - com as ligações bem conhecidas ao governo de Angola - aprova a desblindagem dos estatutos do BPI que vem a viabilizar a OPA tendo como contrapartida a tomada de controlo do BFA por um preço longe do seu justo valor", disse Octávio Viana.
"Parece razoável considerar que a linha de crédito é simplesmente um garantia prestada, indirectamente, a Isabel dos Santos face ao risco da venda do BFA não se vir a concretizar".
O porta-voz do Caixabank não fez qualquer comentário sobre este tema. (Por Sérgio Gonçalves; Reportagem adicional de Jesus Aguado em Madrid; Editado por Daniel Alvarenga)