Por Sergio Goncalves
LISBOA, 1 Mar (Reuters) - O Fisco de Portugal não fez o controlo inspectivo da transferência de 10.000 milhões de euros (ME) para 'offshores' entre 2011 e 2015, no consulado do anterior Governo de centro-direita que aplicou uma forte austeridade aos portugueses no âmbito do resgate do país, segundo o actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
A polémica estalou na semana passada, quando o actual Primeiro-Ministro socialista, António Costa, qualificou de "absolutamente escandaloso" que o anterior Governo de centro-direita, que "não hesitou em penhorar a casa de morada de família, por qualquer dívida, tenha tido a incapacidade de verificar o que aconteceu com 10.000 ME que fugiram do país".
Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do actual Governo socialista, disse que ficou surpreendido quando, no Verão de 2016, foi confrontado com uma discrepância quanto aos valores transferidos para 'paraísos ficais' entre 2014 e 2015.
Afirmou que, em 2015, o novo Governo socialista tinha pedido a publicação dos dados relativos às transferências para 'offshores' paraísos fiscais, e percebeu que, de Abril de 2014 para 2015, o valor das transferências "teriam aumentado de cerca de 400 ME para quase 9.000 ME".
Adiantou que, após questionar a Autoridade Tributária, esta comunicou que os números de 2014 não estavam correctos, como também não estavam correctos os relativos a 2013 e a 2012, pois os dados daquelas transferências "não tinham sido corretamente extraídos dos ficheiros" quando foram passados para o sistema central da Autoridade Tributária.
"Não ficaram disponíveis nem para a publicação, nem para o controlo inspectivo (...) esse controlo não foi feito", afirmou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no Parlamento, frisando: "aquelas transferências não eram conhecidas".
Estas transferências foram enviadas pelos bancos ao Fisco, que tinha de ter feito o controlo inspectivo e a sua publicitação pública, estando a Inspeção Geral de Finanças (IGF) a investigar.
O grupo parlamentar do Partido Socialista (PS) vai requerer a audição parlamentar dos ex-ministros das Finanças do anterior Governo de centro-direita Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque.
"(O anterior Governo) tinha dois pesos e duas medidas (...) (era) forte com os fracos e fraco com os fortes (...) até casas de família (dos portugueses) foram penhoradas, nada parecia escapar (...) mas fechou os olhos a fluxos financeiros", disse o deputado socialista Eurico Brilhante Dias, no debate parlamentar.
"Voaram 10.000 ME sem fiscalização à posteriori (...) Se isto não é propositado é incompetência, é negligência, é o oposto do que o anterior governo devia fazer, que era combater a fraude e a evasão fiscal", disse a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua.
NÚNCIO DIZ NÃO
O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do anterior Governo de centro-direita, Paulo Núncio, que exerceu funções naquela altura, admitiu que deu uma "não autorização" quanto à publicação das estatísticas acerca das transferências de dinheiro para 'offshores', vincando que não estava legalmente obrigado a autorizar.
"(A não autorização) deveu-se ao facto de eu ter dúvidas, na altura, de publicar. Não decorre de uma obrigação legal, como eu ouvi dizer. Recordo que, naquela altura, tive dúvidas", disse Paulo Núncio, numa comissão do Parlamento.
"Deveram-se a duas ordens de razão: achei que a publicação podia dar algum tipo de vantagem ao infrator, podia constituir um alerta para os infractores, relativamente ao nível e quantidade de informação que a Autoridade Tributária (AT) dispunha das transferências e que podia prejudicar o combate à evasão fiscal", afirmou.
Adiantou como segunda razão: "a segmentação da informação, publicar a informação em bruto poderia levar a interpretações incorretas".
Contudo, Paulo Núncio referiu que, em qualquer caso, haverá impostos perdidos pois, "em 2012, o Governo aprovou uma medida para alargar prazo de caducidade para proceder à cobrança de impostos", que passou para 12 anos.
"A Administração Fiscal tem pelo menos até 2024 para proceder às investigações, fiscalizações e liquidação de impostos que tenham a ver com paraísos fiscais".
(Por Sérgio Gonçalves; Editado por Patrícia Vicente Rua)