Por Sergio Goncalves
LISBOA, 9 Jun (Reuters) - O 'management' da EDP EDP.LS vê méritos no projecto de estratégia industrial proposto pela China Three Gorges (CTG) no 'bid' de 9.000 milhões de euros (ME), mas há aspectos que ainda têm de ser clarificados e o preço oferecido é baixo.
No relatório ao 'bid', o Conselho de Administração Executivo (CAE) adiantou que, "assim, o CAE não pode recomendar que os accionistas vendam as suas acções ao preço actualmente oferecido", frisando que procurará obter mais informação sobre as intenções estratégicas da CTG e o seu impacto na EDP.
A 15 de Maio, a CTG, lançou uma OPA geral sobre a EDP a 3,26 euros por acção, ou um modesto prémio de cinco pct face à cotação de fecho anterior.
A cotação da EDP tem estado sistematicamente acima da contrapartida e fechou nos 3,38 euros, com os investidores a apostarem num aumento do 'bid' da CTG ou até numa contra-oferta.
OFERECE POUCO
O CAE frisou que o preço "não reflecte adequadamente o valor da EDP e que o prémio implícito na Oferta é baixo, considerando a prática seguida no mercado Europeu das utilities nas situações onde existiu aquisição de controlo".
Este prémio implícito é "significativamente abaixo do que é a prática em transacções em dinheiro no sector europeu das utilities, no mercado ibérico e mais genericamente no mercado europeu, em casos em que o oferente adquire controlo".
Disse que, nas OPAs com aquisição de controlo consideradas, os accionistas receberam um prémio médio sobre o preço Spot entre 32 pct e 40 pct, e um prémio sobre o Volume Weighted Average Price (VWAP) dos últimos 6 meses entre 36 pct e 45 pct.
"Mesmo considerando ofertas públicas bem-sucedidas lançadas por accionistas com uma participação minoritária significativa e com o intuito de adquirir controlo, o prémio médio varia entre 27 pct e 33 pct, sobre o preço Spot e o VWAP dos últimos 6 meses, respectivamente", explicou.
Adiantou que o múltiplo de EBITDA implícito no 'bid' - 9,3x EV/EBITDA de 2017 - está abaixo da média paga em transacções precedentes relevantes para aquisição de controlo no sector europeu das utilities, entre 10,6x e 10,7x.
O múltiplo de EBITDA implícito em transacções precedentes com base numa avaliação de 'Sum of the Parts' "também indica que a Oferta da CTG subvaloriza a EDP".
"Os múltiplos de avaliação implícitos na Oferta encontram-se relativamente em linha com os múltiplos de mercado das empresas comparáveis da EDP, o que implica que a Oferta da CTG não incorpora um prémio de controlo para os accionistas da EDP".
Realça que o preço é inferior aos 3,45 euros por acção que a CTG pagou em 2011 pela participação minoritária de 21,35 pct.
EDPR A DESCONTO
O grupo chinês lançou também uma OPA geral sobre a EDP Renováveis EDPR.LS , que é detida em 82,6 pct pela casa-mãe EDP, a 7,33 euros por acção, ou seja um valor até abaixo dos 7,845 euros a que tinha fechado.
Neste caso, o CAE da EDP Renováveis é mais directo e "recomenda não aceitar o preço da oferta", destacando que "as potenciais implicações e desfechos regulatórios, em particular aqueles que poderão afectar a actividade nos Estados Unidos, não são claros e poderão ter impacto na estratégia e perspectivas de crescimento da EDP Renováveis".
Lembrou que, "dada a exposição global do portefólio da EDP Renováveis, a oferta está sujeita a várias condições e autorizações regulatórias", em vários países da Europa, nos EUA e Brasil.
"Esta situação poderá ser mais relevante nos negócios dos Estados Unidos, onde as medidas de correcção e/ou de mitigação podem ser impostas pelo CFIUS e/ou FERC", explicou.
PLAYER GLOBAL
A CTG diz que quer preservar a identidade portuguesa da EDP e a natureza autónoma do centro de decisões, que as acções tenham liquidez e um free-float significativo, querendo "posicionar a EDP como líder das operações e do crescimento do Grupo CTG na Europa, na América, nos PALOP, bem como em determinados mercados Asiáticos".
Quer "eventualmente contribuir com activos regidos por contratos de longo prazo do Grupo CTG em geografias onde se verifique uma sobreposição de mercado com a EDP, ao abrigo de um acordo quadro a celebrar com a EDP.
Estes activos incluem centrais hídricas controladas pelo Grupo CTG no Brasil com a capacidade de 8 GW, participações conjuntamente detidas com a EDP em três activos hídricos no Brasil com capacidade bruta de 1,3 GW, participação minoritária de 49 pct em onze centrais eólicas no Brasil controladas pela EDP com capacidade bruta de 0,3 GW.
Incluem ainda uma participação maioritária de 80 pct no projecto eólico offshore na Alemanha com capacidade bruta de 0,3 GW e uma participação de 49 pct na EDPR Portugal com capacidade bruta de 0,6 GW.
A CTG quer "criar opções de crescimento, facilitando a entrada da EDP no mercado eólico offshore chinês, no qual a Oferente pretende assumir um papel activo".
"Este novo tipo de activos seria consistente com o actual enfoque estratégico da EDP e poderia representar uma nova plataforma de desenvolvimento para a empresa (...) (mas) o CAE necessita de mais informações de forma a poder formar uma opinião suportada", disse o CAE.
GOVERNO FACILITA
A CTG tem uma posição de 23,27 pct na EDP e a chinesa CNIC 4,98 pct, tendo a cláusula de sucesso desta Oferta Pública de Aquisição (OPA) sido fixada em 50 pct mais uma acção.
Contudo, numa adenda às condições da Oferta, a CTG referiu que se reserva "o direito de, por sua livre e discricionária decisão, renunciar" àquela condição de sucesso nos termos legalmente admissíveis".
Instantes antes do anúncio das OPAs, o primeiro-ministro António Costa disse que o Governo não tinha "nada a opor", pois "os investidores chineses têm sido bons investidores quer na REN (LS:RENE), quer na EDP, quer em outros" e Portugal é "um país aberto".
Em Julho de 2017, o Governo já tinha feito uma crucial alteração ao Código de Valores Mobiliários, que facilita o 'movimento' dos chineses pois passou a permitir à CTG votar isoladamente com os 23,27 pct que tem na EDP e à chinesa CNIC com os 4,98 pct.
Se não fosse esta alteração, as duas empresas detidas pelo Estado chinês teriam de agrupar os votos num total de 28,25 pct, mas apenas votariam com 25 pct - o limite imposto nos Estatutos da EDP.
Alguns analistas têm referido que, no âmbito da Assembleia Geral (AG) para desblindar os Estatutos da EDP, aquela norma pode gerar polémica entre accionistas, tendo o presidente da mesa da AG a palavra decisiva sobre a sua interpretação, ou seja se permite ou não aos chineses votarem separadamente.
O segundo maior accionista da EDP é a norte-americana Capital Group Companies com 9,97 pct, seguida da Oppidum Capital com 7,19 pct e da private equity BlackRock com cinco pct.
Os analistas têm dito que, num movimento de consolidação do sector europeu, empresas como a italiana Enel (MI:ENEI) ou a francesa Engie estariam interessadas em 'cobiçar' activos da EDP.
GESTÃO NORMAL
A 1 de Junho, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) disse que o 'management' da EDP não fica limitado na gestão pela regra de 'neutralidade' de 'takeovers' durante o 'bid' da chinesa CTG dado que esta não é cotada e é dominada pelo Estado chinês. ao contrário do que é habitual em operações destas, o 'management' não fica em mera 'gestão corrente', mantendo todos os seus poderes.
O regulador frisou que "isto não significa, no entanto, que o órgão de administração da EDP deixe de estar obrigado a gerir de boa fé, cumprindo os seus deveres de cuidado e lealdade, e defendendo em qualquer circunstância os interesses dos accionistas".
(Por Sérgio Gonçalves)