A inflação, à primeira vista, pode parecer um conceito complicado, mas a sua definição é muito simples. É nada mais nada menos que o aumento do preço dos bens e serviços. É o conceito de que com 10€ no futuro não se conseguirá comprar a mesma quantidade de produtos com os 10€ de hoje. A ideia de que com o passar do tempo, o dinheiro passa a ter cada vez menor poder de compra, influencia bastante as decisões que nós tomamos.
Por sua vez, hiperinflação é quando este processo fica fora de controlo e o aumento do preço dos bens e serviços acontece rapidamente e torna o dinheiro inútil. Não é difícil encontrar imagens de pessoas na Alemanha depois da 1ª Guerra Mundial ou, no presente, em países como o Zimbabwe a utilizar centenas de notas só para comprar um pedaço de pão. A hiperinflação é um evento muito complicado para a economia de um país pois com essa subida rápida e exponencial dos preços, a moeda começa a perder credibilidade, e a partir do momento que a moeda perde credibilidade essa torna-se completamente inutilizável. A maior parte desses eventos de hiperinflação geralmente acontece quando as economias estão frágeis e os governos tentam contrabalançar essa fragilidade emitindo quantidades enormes de dinheiro para a economia. Para dar suporte à fragilidade económica provocada pela pandemia foram criados enormes pacotes de estímulos na Zona Euro e nos Estados Unidos e parte desse valor está a ser financiado pelos Bancos Centrais. O Banco Central Europeu (BCE) e a Reserva Federal norte-americana (FED) emitiram desde o início de 2020 cerca de €2.4 e $3.1 biliões respectivamente.
Deste modo, a questão do momento é: Devemos preocupar-nos com a subida da inflação ou até mesmo com a hiperinflação?
Fundamentos económicos
Inflação refere-se ao processo do aumento contínuo dos preços dos bens e serviços numa economia. A pergunta que se pode fazer é quais bens e serviços? A forma mais comum de proceder a essa medição é através do Consumer Price Index (CPI) que é o preço médio de um cabaz de bens e serviços que faz parte das despesas gerais das famílias. Em Portugal, o CPI é calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e reportado mensalmente.
Na teoria económica a inflação pode ocorrer de duas formas: (1) Um aumento da procura da moeda, que se traduz num aumento da procura de bens e serviços e que por sua vez leva a um aumento do preço dos produtos, ou (2) um aumento da oferta da moeda onde a contínua emissão de dinheiro leva a que exista mais moeda em circulação e consequentemente leva a um aumento dos preços. Na teoria quantitativa da moeda esse equilíbrio expressa-se na seguinte equação:
MV = PY
Onde M representa a base monetária (Monetary Supply em inglês), V a velocidade de circulação da moeda, que é o número de vezes que a mesma moeda/nota muda de mãos num determinado período de tempo, P o nível de preços médio dos bens e serviços na economia e Y representa o produto real da economia.
Por outras palavras, uma maneira mais simples de entender esta equação é saber que PY representa o Produto Interno Bruto da economia já que, como P representa o nível dos preços médios dos bens e serviços na economia e Y representa a quantidade real de bens e serviços produzidos na economia, isso significa que PY é o total dos bens e serviços produzidos na economia ao seu preço corrente. Já V representa um proxy para o número de transações que foram realizadas na economia. Como as transações são feitas com moeda, MV representa o valor nominal do total de transações que foram efetuadas na economia num determinado período de tempo e isso não é nada mais nada menos que o Produto Interno Bruto da Economia. Como ambos os lados da equação têm o mesmo significado gera-se esta identidade que estabelece uma relação entre estas quatro diferentes variáveis.
A inflação não é um fenómeno da atualidade. Nos séculos XV e XVI verificou-se na Europa Ocidental um aumento contínuo e progressivo do preço dos bens de cerca de 1-1,5%, durante aproximadamente 150 anos. A esse evento foi dado o nome da revolução dos preços. Estudos feitos na área indicam que a causa desse processo de inflação foi o grande influxo de Ouro e outros metais preciosos provenientes das conquistas dos espanhóis na América Latina. No seu livro “The History of Money”, Jack Weatherford explica que a inflação não é um fenómeno atual, mas certamente foi na atualidade que se verificou um processo inflacionário mais acentuado, fornecendo inúmeros casos históricos.
Os governos mundiais e os economistas concordam que uma ligeira inflação de cerca de 2% é saudável e ajuda a promover a estabilidade da economia. Contudo, se os preços começarem a subir muito rapidamente e bem acima desse nível (2%), essa subida já começa a ser prejudicial. O contrário também se aplica. Se os preços começarem a cair, há um consenso económico que isso é prejudicial para a economia. À diminuição contínua do Índice de Preços do Consumidor chama-se deflação. Deflação é o reverso da moeda do mesmo processo. A pergunta que se pode fazer é: De que maneira a descida dos preços dos bens e serviços poderá ser má para a economia. Afinal, não estão as coisas a ficar mais baratas? A primeira resposta que todos os economistas argumentam é que a deflação é má para a economia pois incentiva as pessoas a poupar e não gastar dinheiro. Se as pessoas souberem que o preço de uma televisão será mais barato daqui a um ano elas irão adiar essa transação. E se todos fizerem o mesmo, haverá uma quebra do Produto Interno Bruto. Por outro lado, a deflação tem um impacto direto nos rendimentos. Deflação também implica que os salários tenham uma tendência de descida ao longo do tempo e isso não é muito bem aceite na nossa sociedade. O pior efeito da diminuição nominal dos rendimentos é o impacto que tem sobre a dívida. Se uma família faz um empréstimo para comprar uma casa e o rendimento for progressivamente caindo o que vai acontecer é que o valor real do empréstimo irá aumentar e a família demorará mais tempo para pagar a dívida.
Os drivers da inflação
Os fundamentos económicos apresentados anteriormente fornecem uma base teórica para ter um melhor entendimento sobre os factores que contribuem para o aumento ou a diminuição dos preços.
Vamos analisar primeiro o lado da oferta. O lado da oferta é o mais simples e direto pois a única variável é a quantidade total de moeda em circulação. A moeda pode ser vista como qualquer outra commodity: se há mais em circulação esta passa a ter menor valor, e vice-versa. O maior problema é que ninguém sabe ao certo qual a quantidade real de moeda em circulação devido ao vasto número de definições da moeda. O outro problema é que não se sabe até que ponto os Bancos Centrais conseguem influenciar a quantidade da moeda existente. O economista Inglês Charles Goodhart, antigo membro do Comité de Política Monetária do Banco da Inglaterra, defendia que os economistas que lá trabalhavam não acreditavam que os Bancos Centrais tinham poder para conseguir controlar a base monetária. Foi isso que levou os bancos centrais a focarem-se na taxa de juro em vez da base monetária.
Quanto ao lado da procura tudo se resume aos factores que estão por detrás do crescimento do produto interno bruto. Alguns desses factores e aqueles se encontram na vanguarda das tendências atuais são os 4Ds. Estes denominam-se por: digitalização, demografia, desigualdade, dívida.
O primeiro D refere-se à digitalização que é o conceito que o mundo se está a tornar cada vez mais digital com a cadeia de produção a tornar-se cada vez mais automatizada. Desta forma, é possível produzir mais bens e serviços o que leva à diminuição do preço dos mesmos. A digitalização está estreitamente ligada ao factor “desenvolvimento tecnológico”, que desde a revolução industrial tem contribuído para o aumento exponencialmente do produto real da economia.
O segundo D refere-se à demografia. O crescimento de uma população tem um efeito bastante visível nos preços pois, se a população cresce mais do que o produto real da economia significa que irá haver mais pessoas a competir pelos mesmos produtos e pela lei da oferta e da procura os preços dos bens irão aumentar. Actualmente a tendência nos países desenvolvidos é a contrária. O crescimento da população dos países desenvolvidos está a desacelerar ou mesmo em queda, o que se traduz em pressões deflacionárias já que há menos pessoas para o mesmo número de bens e serviços. Ainda na demografia, um factor importante é a taxa de desemprego, pois, se esta for muito alta as famílias não terão poder de compra suficiente para adquirir a mesma quantidade de bens e serviços que estavam habituadas, o que também causa uma pressão deflacionária.
A desigualdade é a terceira tendência atual. Nas últimas décadas, os 10% da população com maior riqueza têm aumentado a sua riqueza de maneira muito mais rápida que os 90% amenos ricos. Esse aumento de desigualdade é uma pressão deflacionária pois como o poder de compra de 10% da população está a aumentar significativamente mais que o resto dos 90% da população, não se está a gerar um aumento equitativo da procura. Por exemplo, alguém que seja rico e costuma comer um bife não vai começar a comer dois bifes se a sua riqueza aumentar, embora possa comer mais lagosta. Enquanto que, se uma família de menor rendimentos vir a sua riqueza a ser aumentada deverá certamente comprar outros bens que não possuía antes, impulsionando assim a actividade económica e consequentemente o aumento dos preços.
O último D é a Dívida. A dívida é crédito e crédito é poder de compra. Uma aceleração no aumento da dívida causa um aumento do poder de compra e consequentemente da procura. Porém, da forma como os países estão endividados neste momento, é expectável que depois da pandemia o crescimento da dívida comece a desacelerar ou mesmo reverter. Vendo isso de outra óptica, quando as famílias adquirem dívida estão basicamente a abdicar do seu poder de compra futuro de maneira a ter esse valor aumentado no presente. Então no futuro, quando começarem a amortizar a dívida, terão um menor poder de compra. Menor poder de compra causa uma diminuição da procura agregada que consequentemente leva a uma diminuição dos preços.
O aumento actual da base monetária irá criar inflação?
Foi observado que apesar da pressão inflacionária causada pelo recente e enorme aumento da base monetária vivemos num período de tendência deflacionária. Ainda mais, a pandemia veio causar maior pressão deflacionária não só nos 4Ds mas também na velocidade da moeda. Conforme se pode observar na Figura 4, desde o início da pandemia a velocidade da moeda caiu significativamente. Como se pode notar na equação da teoria quantitativa da moeda, se tudo constante, uma descida da velocidade da moeda leva a uma redução no nível de preços, ou seja, também é uma pressão deflacionária.
Actualmente vivemos num frágil equilíbrio com várias incertezas e com muitas variáveis a ditar o rumo a seguir. A taxa de inflação não é nada mais nada menos do que o equilíbrio entre as diversas variáveis que afectam as pressões inflacionárias e deflacionárias.
Por exemplo, basta a velocidade da moeda recuperar para os níveis anteriores à pandemia para causar uma forte pressão inflacionária e levar a inflação para níveis que nunca foram atingidos. A questão é: Será que isso vai acontecer? Como ilustrado na Figura 4, a velocidade da moeda nunca chegou a recuperar depois da crise do Subprime. A própria velocidade da recuperação económica também tem um impacto significativo no futuro da inflação.
Desta forma, ninguém sabe ao certo em que espectro este equilíbrio vai se situar no futuro. O que se sabe é, seja qual for o lado da balança em que irá parar, vai afectar certamente as economias, os mercados, e as decisões dos governos e da vida das pessoas. Face ao exposto, na nossa opinião, no meio de tanta incerteza é prudente equacionar alguma protecção contra uma possível subida da inflação.
Como nos proteger da inflação
Historicamente, uma das classes de ativos que têm demonstrado um melhor desempenho em períodos de subida da inflação são as commodities, como os metais preciosos que podem ser adquiridos via ETF, como o SPDR Gold Shares, ou pela compra de ouro físico através das barras de ouro certificadas. Também é possível ganhar exposição ao metais preciosos através de empresas mineiras pois as suas receitas são dependentes do preço dos mesmos. Alguns fundos de investimento como o Allianz (DE:ALVG) Global Metals and Mining ou Trends como a Corrida ao Ouro permitem ganhar exposição ao sector das mineiras.
Relativamente às Obrigações, a maneira de se proteger contra a subida da inflação é diversificar a componente das Obrigações através do investimento em Obrigações indexadas à Inflação (TIPS - Treasury Inflation Protected Securities em inglês). Estas podem ser adquiridas através de ETFs como o Ishares 0-5 Year TIPS Bond ou o Lyxor Eur 2-10Y Inflation Expectations
Por último, outra forma de se proteger contra a inflação é investindo em activos reais como os Fundos de Investimento imobiliário (Real Estate Investment Trust – REIT em inglês). O Vanguard REIT e o Amundi Ftse Epra Europe Real Estate são exemplos de ETFs compostos por REITs.