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Entrevista de Luís Máximo dos Santos ao Jornal de Negócios

Publicado 13.07.2020, 14:23

Máximo dos Santos, vice-governador do Banco de Portugal (BdP), afirma que a nova crise financeira, provocada pela pandemia, poderá levar os portugueses a aumentarem os níveis de poupança, tal como tem acontecido noutras situações de stress financeiro. No entanto, alerta, esta “crise é especial”, não excluindo a possibilidade de se vir a assistir ao chamado “paradoxo da poupança”, naquele que poderá ser um comportamento prejudicial para a economia.

“O consumo tenderá a ser refreado e o motivo precaução já está a sentir-se, por exemplo, no aumento dos depósitos bancários. Não é nenhuma novidade: já na crise financeira os portugueses adotaram comportamentos financeiros prudentes perante a incerteza quanto ao futuro, reduzindo as despesas e aumentando os níveis de poupança”, afirma Máximo dos Santos, numa entrevista por escrito ao Negócios, quando questionado sobre se a pandemia trará um aumento dos níveis de poupança dos portugueses.

Um crescimento que o responsável do BdP considera ser positivo. “A baixa taxa de poupança é há muito um dos problemas identificados na nossa economia, pois dificulta o investimento e fomenta o endividamento. Logo, a subida da poupança é algo positivo”, refere.

Mas deixa um alerta: “Esta crise é muito especial. Face ao clima de medo generalizado sobre o futuro económico, não é de excluir que ocorra a situação conhecida por paradoxo da poupança. Também por isso, os estímulos económicos de caráter público são centrais nesta crise.”

O termo do economista John Maynard Keynes significa que se todos decidirem poupar ao mesmo tempo, porque há incerteza em relação ao futuro, a queda da procura e os efeitos no consumo acabarão, paradoxalmente, por reduzir as poupanças. Este comportamento acaba por ser prejudicial para a economia, já que com mais poupança, há menos consumo dos bens das empresas.

O mais recente inquérito internacional à literacia financeira dos adultos 2020 da OCDE/INFE mostra que o desempenho nacional revela maior stress e preocupação financeira (com o pagamento das contas ou que o dinheiro não seja suficiente, por exemplo) e menor proatividade na aplicação de poupança do que a média dos países participantes. Entre os entrevistados, 63,5% mostram proatividade na aplicação da poupança, de acordo com os resultados do inquérito divulgados no final de junho pelo BdP.

“Apesar de ter maior preocupação com o pagamento das contas ou que o dinheiro não seja suficiente e menor proatividade na aplicação da poupança, Portugal obteve resultados acima da média no que se refere ao controlo sistemático das finanças pessoais, à ponderação das despesas, ao pagamento atempado das contas, à definição de objetivos financeiros de longo prazo e à não utilização de crédito para fazer face a despesas quotidianas”, diz Máximo dos Santos.

Portugal ficou em 7.º lugar no indicador global de literacia financeira no inquérito internacional à literacia financeira dos adultos 2020 promovido pela “International Network on Financial Education” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico junto de 26 países.

Para o vice-governador, “os resultados alcançados por Portugal nesse inquérito são indiscutivelmente muito positivos para o país e constituem um estímulo adicional para continuar um trabalho que é fundamental, que tem de ser permanente e em que há muito para fazer”. Portugal surge em 5.º lugar no indicador de atitudes financeiras, ocupando a mesma posição no indicador de comportamentos financeiros. Na vertente de conhecimentos financeiros ocupa a 16.ª posição.

“A promoção da informação e da formação financeira foi assumida há já vários anos como um pilar fundamental da supervisão comportamental dos mercados bancários de retalho”, refere. Uma aposta que garante que se vai manter apesar da saída de Carlos Costa do cargo de governador depois de um mandato de uma década. “É uma opção institucional estratégica partilhada internacionalmente e, portanto, está para lá das contingências pessoais”, diz Máximo dos Santos, recusando-se a comentar a possibilidade de Mário Centeno vir a desempenhar este papel.

A banca tem pela frente um “trabalho muito difícil e exigente” perante a nova crise financeira provocada pela pandemia. A opinião é de Máximo dos Santos, vice-governador do Banco de Portugal, numa entrevista por escrito ao Negócios. O responsável nota, ainda assim, que o setor está hoje mais bem preparado para superar este obstáculo e ajustar-se a uma nova realidade do que antes, num período em que acabou por acelerar o processo de digitalização.

“Preparado para uma crise com estas características ninguém estava. Ajustar-se à crise é uma inevitabilidade e uma condição para a superar”, começa por dizer Máximo dos Santos, quando questionado pelo Negócios sobre se a banca está preparada para se ajustar e superar a nova crise.

“Mas, como eu próprio já assinalei noutra ocasião, vai ser um trabalho muito difícil e exigente, embora o ponto de partida seja inegavelmente melhor e algumas lições de crises passadas tenham certamente sido aprendidas”, afirma ainda o responsável.

As autoridades têm adotado várias medidas para apoiar os bancos e permitir que estes tenham capacidade para emprestar à economia, seja através da flexibilização das regras em torno dos rácios de capital ou das recomendações para que não sejam, por agora, distribuídos dividendos. Por outro lado, o Governo também avançou com moratórias no crédito com o objetivo de apoiar as famílias e empresas mais penalizadas pela pandemia, permitindo adiar, até 31 de março de 2021, o pagamento das dívidas junto das instituições financeiras.

Este foi também um balão de oxigénio para o setor bancário.

Os próprios bancos já se estão a preparar para eventuais perdas futuras, ao terem colocado de parte mais de 200 milhões de euros em provisões no primeiro trimestre. Isto num período em que as instituições financeiras tiveram também de apostar ainda mais na digitalização, promovendo a utilização dos canais digitais junto dos clientes que estiveram confinados devido à pandemia. Uma evolução que obriga a uma maior aposta na educação financeira digital dos clientes bancários, perante o risco de ciberataques.

“Os canais digitais (online e mobile/apps) facilitam o acesso aos produtos e serviços financeiros e revelaram-se essenciais no atual contexto de pandemia e de necessidade de distanciamento social, ainda que as instituições de crédito tenham mantido sempre o atendimento ao público. Desse ponto de vista, a pandemia acentuou uma tendência que era já imparável”, diz Máximo dos Santos ao Negócios. “Todos sabemos, no entanto, que a utilização de canais digitais tem também associado um conjunto de riscos”, nomeadamente os ciberataques, acrescenta.

“A formação financeira no domínio digital é, pois, fundamental e o Banco de Portugal está bem consciente disso”, refere, relembrando que já foram dados alguns passos para promover a educação financeira digital, através de campanhas e do Portal do Cliente Bancário. “Como é óbvio, são ainda pequenos passos de um caminho muito longo para obtermos parâmetros aceitáveis de educação financeira digital”, diz.

Questionado sobre se a educação financeira digital dos portugueses é suficiente num momento em que aumenta o número de ciberataques, Máximo dos Santos diz que “responder afirmativamente a essa pergunta seria uma total mistificação”, já que os “ciberataques são um dos grandes problemas do nosso tempo”. Estes “colocam questões que vão muito para além da educação financeira, embora esta também seja fundamental no contexto da sua prevenção”, conclui.

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