Moeda local: em Portugal e no mundo

Publicado 03.09.2020, 11:41
Atualizado 03.09.2020, 12:10
Moeda local: em Portugal e no mundo

O público geral não costuma estar muito familiarizado com o conceito de moeda local. No entanto, no nosso dia-a-dia, utilizamos formas de pagamento que se assemelham à ideia geral deste tipo de moeda.

Este artigo pretende dar a esclarecer o leitor quanto às especificidades deste meio de troca, bem como dar a conhecer casos práticos passados e atuais.

O que é uma moeda local?

Uma moeda local é uma forma de dinheiro, seja papel, moeda ou digital que é emitido a um nível local (numa cidade ou comunidade, por exemplo).

O seu principal objetivo é incentivar o consumo em empresas locais, em vez de cadeias ou lojas de marcas internacionais, garantindo assim que o capital permaneça na comunidade.

Como funciona uma moeda local?

O funcionamento duma moeda local é pouco divergente do que muitas empresas chamam de loyalty points (ou pontos de fidelidade, em português). Isto é uma espécie de programa de recompensas ao consumidor dos seus produtos e serviços.

Este tipo de programas incentiva o consumidor a gastar mais facilmente o dinheiro nas empresas, que acabam por beneficiar deste sistema circular.

Os loyalty points podem ser convertidos em descontos futuros ou até mesmo em bens ou serviços.

Ora, uma moeda local acaba por funcionar de uma forma semelhante, sem estar limitada a uma empresa.

As moedas locais regem-se por uma área geográfica restrita e não agem como substituto da moeda nacional mas sim como uma moeda complementar, que tem como objectivo encorajar os consumidores a comprarem dentro da comunidade.

Existem muitas formas de implementar uma moeda local e todas essas variáveis vão acabar por definir o seu sucesso…

A ideia geral está nos residentes poderem trocar euros por moedas locais nos bancos locais ou outras instituições que participem no programa. Tudo pode ser implementado neste tipo de programas, desde:

 

  • pagamento de salários,
  • descontos,
  • e até serviços públicos.

 

Normalmente, este tipo de moedas está associado ao demurrage, um fenómeno associado ao custo de ter dinheiro, no que toca ao câmbio de moedas. O demurrage diretamente relacionado com moedas locais, faz com que se estimule o crescimento económico e o consumo, através do incentivo da reintegração do dinheiro na economia. O demurrage prefere o consumo à poupança.

Benefícios

Este tipo de iniciativa conecta produtores, consumidores, fornecedores, associações e comunidades num núcleo restrito que incentiva à cooperação local. Vejamos as vantagens:

1) O uso das moedas locais promove o desenvolvimento comunitário e possibilita um ambiente mais propício à inovação.

As moedas locais ajudam uma comunidade ao possibilitarem pequenas e médias empresas (PME’s), agricultores, fornecedores de serviços e instituições sem fins lucrativos a participarem mais ativamente em atividades locais.

Esta participação mais ativa promove a cooperação entre agentes económicos, fortalecendo as cooperações já existentes e criando relações que outrora não existiam.

Com este tipo de entre-ajuda, a comunidade tem mais dinheiro a circular localmente, o que possibilita um maior investimento na inovação e desenvolvimento local.

2) A implementação de moedas locais gera o chamado Efeito Multiplicador Local.

*Efeito multiplicador local: refere-se ao aumento da criação de riqueza que ocorre quando o dinheiro é gasto localmente e reintegrado dentro da economia local.

Ora, este efeito é benéfico porque esta dinâmica de circulação faz com que o dinheiro gasto localmente tenha muito mais valor para a comunidade. Valor que contribui para a criação de novos empregos, redução de custos de transporte e até a redução da pegada ecológica dentro da área de actuação da moeda. Exemplos deste impacto das moedas locais podem ser encontrados em diferentes localidades, como se verificou em Brixton, Grã-Bretanha, ou em Berkshire, EUA.

3) A utilização de moedas locais preserva o valor gerado pela comunidade, mantendo a riqueza nas pessoas e negócios que fazem parte da cidade. Mantêm na Comunidade, o que é da Comunidade.

Estudos mostraram que as comunidades que tentam esse programa conseguem manter mais dinheiro circulando na economia local, enquanto o dinheiro gasto em grandes lojas de grupos internacionais é muito mais provável que saia completamente da zona.

As moedas da comunidade que tenham as intenções e mensagem certa também podem incutir um sentimento de orgulho na comunidade que ajudam ainda mais no esforço para apoiar pequenas empresas e comunidades a valorizarem-se localmente.

Desvantagens:

Para que uma moeda local seja implementada com sucesso, esta implementação tem que enfrentar muitos desafios, entre eles:

1) A necessidade de ser estabelecida uma organização sem fins lucrativos para que o desenvolvimento da moeda seja sustentável.

Esta organização tem que ter um registo da oferta e da procura de empresas e organizações sem fins lucrativos dentro do sistema da moeda. O trabalho burocrático associado a este tipo de programa pode atrasar ou até impossibilitar a adesão a moedas locais.

2) No início, não é fácil persuadir as PME’s a cooperar com o sistema.

No passado, algumas moedas locais não foram bem sucedidas devido à falta de interesse neste sistema por parte das empresas. A verdade é que este tipo de moeda é por vezes visto como marginal ao sistema, apesar da sua aplicação prática e sucesso de casos passados.

3) O trabalho de cooperação e comunicação é difícil. As moedas locais precisam que este trabalho seja realizado com sucesso.

Este ponto é de grande importância para a criação de uma moeda local. Sem uma comunicação apropriada entre os diferentes agentes económicos locais e sem um plano de cooperação sustentável, a implementação deste tipo de moeda é descorada do seu potencial – a Comunidade tem que se dedicar em conjunto.

E se criássemos uma moeda local na nossa Cidade? (casos práticos)

Existem cerca de 300 moedas complementares registadas mundialmente, incluindo as moedas locais.

Dois casos de sucesso no que toca a este tipo de moedas são: a Libra de Brixton na Grã-Bretanha, e os BerkShares nos Estados Unidos da América. Vejamos estes exemplos:

1. Libra de Brixton

Libra de Brixton: nota de 10 libras (com representação de David Bowie)

Um grupo de entusiastas de Brixton, numa tentativa de ajudar os lojistas locais durante a recessão mais recente, criaram a Libra de Brixton.

A Setembro de 2009, Brixton tornou-se na quarta cidade Britânica a ter sua própria moeda após a libra de Totnes em Devon, a libra de Lewes em Sussex e a libra de Stroud em Gloucestershire.

Hoje em dia, por volta de 250 estabelecimentos aceitam a Libra de Brixton como forma de pagamento, sendo cada vez mais utilizada pelos locais.

A Libra de Brixton também contribui para a diminuição da pegada ecológica da região, uma vez que os locais são incentivados a adquirirem os produtos e serviços localmente. Outro aspeto positivo é, ainda, a ajuda na preservação da identidade da região.

As notas da Libra de Brixton utilizam figuras emblemáticas da região, como por exemplo, Olive Morris, David Bowie ou James Lovelock.

2. BerkShares

BerkShares: notas de 10, 20 e 50

Uma das moedas comunitárias mais comentadas em circulação atua nos Estados Unidos e passa pelo nome de BerkShares. Esta moeda foi lançada em Setembro de 2006 na região de Berkshires, em Massachusetts. 

Hoje, mais de 400 empresas locais aceitam esta moeda. A BerkShares é oferecida com um pequeno desconto para incentivar o seu uso. Nas lojas, US $1 equivale a 1 BerkShare, mas 100 deles podem ser comprados por US $95.

As empresas que aceitam o BerkShares podem usá-los para comprar bens e serviços de outras empresas participantes, pagar salários e apoiar organizações sem fins lucrativos locais. No caso de terem muitos, é possível trocá-los de volta na mesma taxa em que foram adquiridos, sem pagar uma taxa extra.

No entanto, como não existem moedas do BerkShare em circulação, apenas notas estão disponíveis nas denominações de 1, 5, 10, 20 e 50 , isto faz com que seja muitas vezes necessário dar troco em dólares.

Por enquanto, a moeda está indexada ao dólar. No entanto, alguns membros da comunidade discutiram a possibilidade de atribuir o seu valor a uma cesta de produtos locais, argumentando que isso ajudaria a proteger os locais da volatilidade da economia nos EUA.

Moeda local em Portugal

Em Portugal já foram criadas moedas locais, conhecidas como moedas municipais. Na década de 1920, o escudo enfrentava uma galopante inflação e uma das piores crises da história monetária em Portugal.

Nesta altura, o metal da moeda era mais valioso do que o seu valor facial, o que levou a que autarquias (por exemplo, Vila do Conde, Sines ou Póvoa de Varzim) a emitirem títulos para uso exclusivo dentro dos limites do concelho.

Moedas Locais Portuguesas Fonte: Portugal Século XX – Crónica em Imagens 1920-1930

Desde então, as moedas locais não têm tido muita aderência em Portugal. No entanto, continuam a existir pessoas e autarcas com propostas baseadas na introdução de uma moeda regional.

Conclusão

A moeda local normalmente é introduzida numa economia em adição à moeda nacional com o objectivo de lidar com os sintomas de uma crise económica.

Problemas como o desemprego, a inflação dos preços ou a ruptura de relações comerciais podem ser aliviados pela implementação de uma moeda local. Através de um aumento de actividades e cooperação ao nível local, a adesão a este tipo de moeda é facilitada, o que oferece às PME’s locais mais hipóteses de integração no mercado.

Estudos mostraram que as comunidades que tentam este programa conseguem manter mais dinheiro a circular na economia local. As moedas da comunidade que tenham as intenções e mensagem certa também podem incutir um sentimento de orgulho na comunidade que ajudam ainda mais no esforço para apoiar pequenas empresas e regiões.

Esta iniciativa continua a ser um instrumento económico popular entre governos e PME’s locais no que toca ao encorajamento das economias regionais.

Apresentação Tedx sobre moedas locais

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