A Presidente do BCE, Christine Lagarde, discursou esta sexta-feira na Conferência dos Órgãos Especializados em Assuntos Comunitários (COSAC), em Paris.
Lagarde foi uma das convidadas nesta conferência, tendo o seu discurso aberto a terceira (e última) sessão da conferência ocorrida durante os dias 13 e 14 de Janeiro.
O Discurso de Lagarde
Lagarde escolheu começar a sua dissertação destacando as várias crises que a UE teve de enfrentar nos últimos tempos – desde a crise global financeira, à crise da dívida soberana, à crise pandémica – e como foi crucial a forma que a União Europeia escolheu para lutar contra elas.
A Presidente afirmou que, na sua opinião, é devido a uma resposta colectiva e unida que a Europa tem conseguido emergir mais forte de cada crise e apelou a que se continuasse a construir sobre as fundações criadas nos últimos anos, com foco em três direcções principais: fornecimento de estabilidade, fortalecimento da oferta e garantia de autonomia estratégica.
A UE Como Suporte de Estabilidade Económica
Referindo-se à estabilidade, Lagarde afirmou que a crise mais recente é a prova de como a Europa, agindo colectivamente, consegue providenciar solidez económica à região.
Justificando este raciocínio referiu que, durante a crise financeira global, a zona Euro demorou 7 anos a para que o seu PIB voltasse a níveis pré-crise. No entanto, é expectável que o PIB exceda os níveis pré-pandemia já no primeiro trimestre deste ano. “Esta diferença deve muito a uma coordenação de políticas a nível europeu”, rematou.
Lagarde afirmou ainda uma expectativa do abrandamento das factores provocantes da inflação que se tem sentido ultimamente, tendo a inflação chegado aos 5% em Dezembro. “Iremos tomar quaisquer medidas necessárias para garantir a nossa meta de 2% no médio-prazo”, garantiu.
Dinamização da Economia
No que toca ao reforço da oferta, Christine Lagarde destacou a transição energética e a revolução digital. No seu entender, para atingir ambos, a Europa precisa de captar pelo menos 650 mil milhões de euros durante a próxima década. Para atingir este objectivo, realçou a necessidade de encontrar formas de atrair o investimento privado disperso pelo mundo inteiro. “Para isso, precisamos de um sector financeiro da UE que seja robusto, integrado e diversificado”, concluiu.
Com esse propósito, Lagarde relembrou a sua sugestão para criar uma “União de Mercados de Capitais Verde” de forma a robustecer o mercado de capitais europeu face aos seus competidores, algo que entende ser crucial para além da conclusão da União Bancária.
“Então, como podemos avançar?”, perguntou Lagarde retoricamente antes de apelar a que houvesse progresso a nível nacional em termos de reformas fiscais e regulatórias ao mesmo tempo que se discute a proposta da Comissão Europeia sobre a União de Mercados de Capitais, que considera ser uma boa base para o progresso a nível europeu.
Um Euro Digital com foco na Autonomia Estratégica
Voltando-se para a autonomia estratégica, a Presidente do BCE, declarou que todos os passos já mencionados são cruciais para garantir uma mais vigorosa soberania europeia, mas reforçou ainda mais o papel que o digital terá nesse objectivo.
Lagarde notou que a pandemia apenas veio acelerar a transição digital e, como tal, “fortalecer a autonomia estratégica da Europa é vital neste contexto, pois o reino digital é um reino global, onde outras economias já têm um avanço em relação a nós”.
Nessa perspectiva, Christine Lagarde referiu as iniciativas europeias já apresentadas com vista a revigorar o papel global da UE neste campo, tendo providenciado especial destaque ao projecto para um Euro digital.
Enumerando as diversas possibilidades que uma moeda digital abriria – tais como novas oportunidades de comércio ou servir de catalisador para o progresso tecnológico – Lagarde apontou 2023 como o ano em que estariam concluídos os trabalhos de investigação relativos ao desenho e distribuição da moeda digital, a partir dos quais se decidiria por fim qual o caminho a tomar.
De acordo com Lagarde, um Euro digital seria crucial para suportar a soberania monetária e financeira da União Europeia. No entanto, nota “o Euro digital não iria substituir o papel-moeda”, apontando o re-desenho das notas europeias no 20º aniversário do Euro como prova da relevância do papel-moeda para o BCE.
Para concluir o seu discurso, Christine Lagarde voltou a apelar à união e comunidade da União Europeia, destacando ser o factor mais importante para superar as adversidades futuras.
Possíveis Impactos na Economia da UE
O PIB, a inflação e o desemprego são factores que estão de certa forma interligados e cujas variações podem ser indicação de uma crise económica. Nesse sentido, a preocupação de Christine Lagarde com o controlo da inflação tem uma razão de ser.
Com uma subida demasiado intensa dos preços, as pessoas não conseguem pagar hoje serviços ou bens que ontem conseguiam. As poupanças de quem está reformado perdem valor. Cada pessoa que não tenha um aumento de acordo com a inflação perde poder de compra e por isso consome menos, o que baixa o PIB.
Da mesma forma, preços mais caros levam a menos consumo geral, que por sua vez leva uma empresa a obter menor receita enquanto as suas despesas estão também mais caras, o que por sua vez leva a que esta não tenha dinheiro para contratar, o que por sua vez leva a um aumento do desemprego.
Tendo estas possibilidades em vista, afigura-se mais clara a correlação da inflação com o PIB e o desemprego, tal como os possíveis impactos que uma incapacidade por parte do BCE de controlar a inflação pode ter.
Comentários Sobre o Discurso
Relativamente ao Euro digital, Olaf Scholz, louvou a iniciativa, dizendo que um Euro digital é “essencial” e oferece “enormes oportunidades”.
Adicionalmente, Olaf Scholz juntou-se ao ministro das finanças francês para, numa declaração conjunta, ambos declararem ser bem vinda uma fase de teste. Aproveitaram também para enfatizar as várias oportunidades que se abrirão para os cidadãos europeus e para a zona Euro como um todo com a introdução deste novo meio de pagamento.
A par de Scholz, também Fabio Panetta, membro do conselho executivo do BCE, já tinha expressado a sua opinião sobre um Euro digital e as possibilidades, tais como dificuldades, que poderão surgir na criação e implementação desta moeda digital.