O Congresso dos Estados Unidos precisa de aprovar um plano de financiamento que o presidente do país assine e, assim, se torne lei. Faltam apenas alguns dias para que o governo seja obrigado a fechar as portas se fracassar nesta missão.
Mesmo a chamada resolução contínua, que consiste num prolongamento temporário, só permitiria o financiamento do governo até 17 de novembro. Mas daria tempo suficiente para a Câmara dos Representantes e o Senado votarem as 12 propostas de lei que resumem as regras de despesa pública de cerca de 5,7 biliões de euros para o próximo ano fiscal.
Usar este momento para benefício político próprio é uma tradição para democratas e republicanos nos EUA. Vejamos exatamente o que está em jogo.
Porque está o governo federal a caminhar para uma paralisação?
Tal como aconteceu nas últimas 20 ou mais vezes - e nas muitas outras vezes em que esteve prestes a acontecer -, os legisladores americanos, tanto na Câmara dos Representantes como no Senado, não conseguem aprovar uma legislação comum necessária para financiar o governo federal e as suas várias agências (Defesa, Segurança Interna, entre outras).
Na maior parte das vezes, o problema reside em divergências partidárias, com os republicanos e os democratas a não conseguirem, ou a não quererem, chegar a um compromisso.
A maioria da Câmara é republicana, enquanto os democratas dominam o Senado.
Kevin McCarthy, o presidente da Câmara, está a tentar fazer valer uma medida que os republicanos mais conservadores têm vindo a exigir há já algum tempo: um corte acentuado nas despesas federais (cerca de 8%) associado a uma segurança mais forte nas fronteiras.
Os democratas recusam-se a votar a favor do pacote e mesmo alguns legisladores republicanos consideram-no demasiado extremo. McCarthy está a lutar para agradar aos legisladores de extrema-direita do seu partido.
No Senado, está a ser preparado um pacote bipartidário para financiar temporariamente o governo. O financiamento manter-se-ia nos níveis atuais e incluiria um fundo nacional de 5,7 mil milhões de euros para ajuda de emergência e o mesmo montante para ajudar a Ucrânia no seu esforço de guerra.
Muitos republicanos têm-se recusado a continuar a apoiar a Ucrânia, argumentando que esses montantes seriam mais bem gastos se beneficiassem diretamente os contribuintes americanos. A sua posição põe em evidência os problemas que se avizinham no que respeita à questão da Ucrânia, quando o orçamento federal for finalmente adotado.
Há alguns meses, McCarthy e Joe Biden chegaram a um acordo bipartidário que, por pouco, evitou uma crise orçamental semelhante à que parece estar iminente.
Os republicanos mais extremistas, que não gostaram do acordo, recusam-se a chegar a um compromisso desta vez. O antigo presidente Donald Trump instou-os a manterem-se firmes ou a "paralisarem" o governo.
E agora?
O tempo está a esgotar-se e é provável que, na sexta-feira à noite, os legisladores avisem aqueles que serão afetados para se prepararem para uma paralisação do governo.
Há esperanças de uma resolução contínua, uma medida temporária que prolongaria o prazo até meados de novembro. Isso permitiria ganhar tempo, mas os principais pontos de desacordo manter-se-iam. Os republicanos e os democratas acabarão por ter de chegar a um compromisso, para manter o governo financiado e aberto.
Por detrás de cada negociação orçamental está a questão da dívida nacional, que lança uma sombra gigantesca sobre os debates.
A dívida bruta dos EUA representa mais de 120% do PIB do país, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. A título de comparação, a dívida pública média na União Europeia é de 84%.
A dívida dos EUA mais do que duplicou nos últimos 30 anos e prevê-se que duplique também nas próximas três décadas. Desagregada por cada cidadão americano, ascende quase a 95 mil euros. Tendo em conta o salário médio, os americanos teriam de trabalhar gratuitamente durante cerca de um ano e meio para reembolsar a dívida do Estado - que deverá apenas aumentar nos próximos tempos.
Quem vai ser afetado pela paralisação iminente?
O governo federal está preparado. Tem planos de paralisação, que são atualizados sempre que o país está à beira desta situação.
Embora caiba ao Congresso financiar o governo, os legisladores não deixam de ser pagos quando não cumprem as suas obrigações.
Já os restantes quatro milhões de funcionários federais enfrentam incertezas, incluindo os militares. Os seus salários serão suspensos e alguns deles ficarão em licença durante o período de paralisação.
Outros, considerados essenciais, terão de se apresentar ao trabalho, como é o caso dos agentes da polícia. Nenhum deles será pago durante o impasse.
Para muitos deles, isso poderá secar as suas finanças, tal como aconteceu durante o lapso de financiamento recorde de 35 dias em 2018-19.
A falta de pagamento de salários significa a falta de pagamento de hipotecas e de dívidas de cartões de crédito e a manutenção do consumo no nível mínimo. Até a economia mais forte do mundo sentirá o impacto.
Uma paralisação pode ameaçar programas federais cruciais, como empréstimos a pequenas empresas, ajuda a inquilinos com baixos rendimentos, nutrição infantil e programas de ajuda a estudantes.
A última paralisação custou milhares de milhões à economia do país em geral. O Gabinete de Orçamento do Congresso estima que a paralisação parcial do governo durante 35 dias em 2018-19 reduziu a produção económica em 9,5 mil milhões de euros nos seis meses que se seguiram.