LISBOA, 21 Set (Reuters) - Este é o conjunto de perguntas e respostas da entrevista ao deputado socialista João Galamba, que disse que o novo imposto sobre fortunas em património imobiliário será moderado, não confiscatório e prevê-se que dê uma receita de apenas entre 100 e 200 milhões de euros (ME), não afastando os investidores.
Afirmou que a recente rápida subida das 'yields' de Portugal ficou a dever-se ao Banco Central Europeu (BCE) não ter avançado com o reforço e alteração da política de compra de activos, mas foi um movimento conjuntural e as taxas tenderão a consolidar uma descida.
Adiantou que uma das virtudes da solução política portuguesa foi, em contraciclo com toda a Europa, ter sido capaz de conquistar o apoio de dois partidos tradicionalmente radicais - PCP e Bloco - a uma plataforma essencialmente moderada.
Seguem perguntas e respostas:
REUTERS: A recente subida das 'yields' portuguesas a 10 anos é preocupante? Quais as razões? Como vê a evolução?
JOÃO GALAMBA: "Se essa subida se mantivesse e se reforçasse seria preocupante. Mas, os dados que temos hoje (ontem) é que a taxa até baixou. Obviamente que os níveis de taxas de juros são diferentes, mas Portugal tem estado a acompanhar a tendência de Espanha e Itália".
"Houve uma subida recente (das taxas de juro) destes três países ibéricos - Portugal, Espanha e Itália - na sequência da não decisão do BCE. Quando alguns esperavam que o BCE pudesse anunciar o reforço e uma alteração da composição da sua política de compra de activos, isso não aconteceu e obviamente imediatamente se reflectiu nos juros dos países que mais beneficiam dessa política".
"Acho que esse efeito de subida é conjuntural e será lentamente revertido nas próximas semanas e será definitivamente revertido quando o BCE, em algum momento, que o fará certamente, anunciar o prolongamento e o reforço do programa de activos".
"Sobre o prémio de risco e a evolução recente das taxas de juro esta é a principal justificação, até porque do ponto de vista orçamental e económico não houve nenhum dado negativo no último mês, antes pelo contrário".
"Os dados que têm saído sobre o terceiro trimestre da economia portuguesa apontam todos para uma aceleração da economia. Saíram dados do emprego e do desemprego francamente positivos e melhores do que os previstos no Orçamento e os dados que temos na frente orçamental é que a meta será genericamente cumprida".
"Até o Conselho de Finanças Públicas na semana passada - apesar de fazer um retrato muito negativo de Portugal, da zona euro e do mundo até 2020 - na frente orçamental baixou a sua estimativa de défice de Portugal uma décima para 2,6 pct este ano. As agências de 'rating' parecem confirmar que Portugal ficará claramente abaixo dos 3 pct e as execuções orçamentais que temos tido apontam nesse sentido".
"Portanto, na frente orçamental, na frente económico e do mercado de trabalho, as notícias do último mês foram todas no sentido de serem positivas e não negativas".
"Acho que temos bases suficientes para não atribuir essa subida das taxas de juro a qualquer deterioração de indicadores nestas três frentes: orçamental, económica e do mercado laboral".
REUTERS: O Governo está a radicalizar as medidas? Nomeadamente, com o novo imposto sobre o património, há radicalização?
JOÃO GALAMBA: "Não. O Governo está a fazer uma novidade em Portugal, face aos últimos anos: está a cumprir escrupulosamente o programa que apresentou aos portugueses e o Programa de Estabilidade que apresentou em Bruxelas em Abril deste ano".
"Não há nenhuma medida que esteja agora a ser falada, das mais polémicas, que não conste desse documento".
"Quanto à questão da tributação do património, o reforço da progressividade da tributação do património está no programa do Partido Socialista, está no Programa do Governo e está no Programa do Estabilidade e Crescimento (PEC), aprovado por Bruxelas. Essa medida está na página 39 do PEC, não é novidade nenhuma".
"O Partido Socialista não se deixou contaminar por um radicalismo dos outros partidos (PCP ou BE). Não há nenhum desvio e nenhuma radicalização".
"Quanto ao imposto em si, Portugal tem uma tributação da detenção de património que é inferior à da generalidade dos nossos parceiros europeus. O IMI (LON:IMI) - o imposto permanente sobre a detenção de património - em Portugal é mais baixo".
"Num país que é dos mais desiguais da Europa, que tem um número significativo de não-residentes detentores de propriedade, está-se a tentar garantir alguma progressividade deste imposto, sem entrar em níveis confiscatórios, que não existirão como é evidente".
"É apenas uma tentativa de reequilibrar a receita (fiscal) do património, permitindo alguma progressividade e portanto justiça fiscal num país altamente desigual".
"Estamos sempre a falar de um valor de apenas 100 a 200 ME de receita estimada, que é menos de metade do valor que iremos reduzir na tributação sobre o trabalho, nomeadamente com o fim da sobretaxa de IRS. A receita da sobretaxa valia cerca de 800 ME, foram (reduzidos) 400 ME em 2016 e serão reduzidos 400 ME em 2017".
"Se olharmos apenas para a tributação sobre o rendimento do trabalhao e compararmos com esta tributação do património de mais elevado valor estamos a falar de uma receita que será em princípio inferior a metade".
"Em 2017, haverá redução da carga fiscal".
"E nós vamos acabar com um imposto: Vitor Gaspar criou um Imposto de Selo para casas com um Valor Patrimonial Tributável (VPT) acima de 1 ME. Só que este Imposto de Selo era pago pela totalidade do VPT do imóvel, ou seja casa acima de 1 ME pagavam Imposto de Selo pela totalidade do imóvel".
"Este imposto que estamos a preparar não será assim. O valor a pagar será pago apenas pela parcela que exceda o patamar que for definido - entre 500.000 euros e 1 ME".
"No último orçamento acabámos com isenção total de IMI para fundos imobiliários e houve muita gente que disse que ia ser o descalabro do mercado de habitação. Não consta que o mercado de habitação tenha dado sinais de descalabro nos últimos três meses, ele esteve anémico nos anteriores seis meses e se há alguma coisa que os últimos indicadores mostram é que ele tem estado a recuperar".
"Os dados do INE mostram um aumento singificativo da carteira de encomendas e dos edifícios licenciados e de obras de reabilitação. Isto significa que, mesmo depois de termos acabado com essa isenção, o mercado não deu sinais de quebra, antes pelo contrário".
"Mas, se o mercado der alguns sinais de moderação não deixa de ser positivo porque este (imposto) também pode ser um instrumento de regulação macroeconómica e de 'bolhas' do mercado imobiliário".
"Nós queremos obviamente um mercado dinâmico e ninguém quer acabar com o dinamismo do mercado imobiliário e muito menos com o mercado de reabilitação".
"Mas, nós temos tidos crescimentos de preços de casas em Lisboa superiores a 10 pct ao ano. Como é evidente isto para além de ser financeiramente perigoso porque pode estar associado a uma 'bolha' no preço dos activos imobiliários, também coloca problemas de acesso à habitação para os próprios habitantes da cidade de Lisboa".
"Um imposto desta natureza que introduza alguma moderação e regule o mercado, mas não acabe com ele até pode ser positivo porque teremos crescimentos mais sustentáveis, mais equilibrados. Dada a experiência bem recente dos mercados imobiliários, 'bolhas' de preços e crescimentos exagerados podem dar a ilusão de ganhos no curto prazo e de grande dinamismo, mas na realidade são sinais de insustentabilidade a prazo".
REUTERS: Então, com este novo imposto há ou não há razão nenhuma para que os investidores nacionais e internacionais fiquem preocupados? Alguns falam num imposto confiscatório.
JOÃO GALAMBA: "Não. Este imposto nunca será a níveis confiscatórios. Será um aumento, mas será sempre um aumento moderado, equilibrado que introduza sobretudo justiça. O objectivo não é afastar, acabar com investidores, confiscar investidores, ou inviabilizar a sua área de negócio".
"O objectivo é, tendo em conta a realidade do mercado imobiliário hoje, o crescimento dos preços e o forte dinamismo, garantir que há uma tributação do património mais equilibrada, mais justa e ainda assim moderada".
"Há vários países europeus, como França e Espanha, em que a tributação da detenção património (IMI) é bastante mais elevada. Portugal está basicamente um pouco abaixo da média europeia na tributação do património em IMI e outras taxas".
"O Partido Socialista não tem nenhum 'fetish' com patamares. O Partido Socialista primeiro quer conhecer a fundo a distribuição da propriedade imobiliária em Portugal e, a partir desses valores, quer ter um retrato fiel da realidade portuguesa para tomar uma decisão quanto ao patamar".
"O objectivo é ser de facto sobre o património de elevado valor e portanto temos de ter o conhecimento de qual é o património médio dos portugueses, qual a sua distribuição. O que é elevado depende do conhecimento desta realidade, mas também queremos que o imposto não atinja a classe média portuguesa".
"O patamar não está fechado e tudo vai depender dos dados finais que obtivermos da autoridade tributária sobre a distribuição da propriedade em Portugal".
REUTERS: Este Governo está a substituir um anterior imposto (Imposto de Selo) criado pelo anterior Governo?
João Galamba: "É exactamente isso. Estamos a subsitutir o Imposto de Selo criado pelo anterior Governo, que era sobre a totalidade do valor patrimonial do imóvel, enquanto este imposto que estamos a preparar incidirá apenas sobre a parcela que exceda o patamar que definirmos - entre os 500.000 euros e um ME".
REUTERS: Este Orçamento de 2017, terá incentivos ao investimento?
JOÃO GALAMBA: "A nossa prioridade sempre foi reforçar as deduções fiscais por investimento realizado e não tanto reduções transversais da taxa de IRC".
"Poderá haver novidades neste orçamento, veremos. Mas, é uma das apostas do Governo, em vez de uma redução generalizada do IRC, fazer mais benefícios fiscais, se as empresas não distribuirem dividendos, se fizerem investimentos por lucros retidos, etc..."
"Para empresas que queiram investir, nós daremos incentivos fiscais para investir. Isso está no programa do Governo, não sei se avança já neste Orçamento, mas acho que sim". "O reforço dos incentivos fiscais aos investimentos é matéria que está no programa de Governo e poderá vir neste Orçamento, mas o Orçamento é apresentado pelo Governo e não consigo dar essa certeza".
"E o Pagamento Especial por Conta (PEC) é para baixar. É uma proposta curiosamente do Partido Comunista Português (PCP) que sempre foi contra, ao longo dos últimos anos, este PEC. Vai ser possível dar passos nesse sentido e fazer uma redução do PEC".
"Isto vai dar uma folga à tesouraria das empresas e sobretudo é importante para aquelas empresas que, não tendo lucros tributáveis, não poderiam recuperar o pagamento deste imposto. As empresas que fazem o Pagamento Especial por Conta e têm lucros tributáveis elevados, depois recuperam o valor todo. Neste caso, é uma mera questão de tesouraria. Mas, para as pequenas empresas, que não têm lucros suficientes para recuperar esse valor, não é apenas uma questão de tesouraria, é mesmo uma questão de capital".
REUTERS: Então, não é o PS que se está a radicalizar? São os outros partidos que estão a moderar-se?
JOÃO GALAMBA: "Uma das virtudes da solução política portuguesa foi, em contraciclo com toda a Europa, ter sido capaz de conquistar o apoio de dois partidos tradicionalmente radicais a uma plataforma essencialmente moderada".
"O que nós temos na Europa é o inverso: são os partidos radicais a influenciar o discurso dos partidos moderados e a radicalizar os partidos moderados. Vemos isso muito em França, com os partidos de centro e tradicionais a radicalizarem o discurso, cedendo ao discurso das franjas".
"O que aconteceu em Portugal é que, mantendo a identidade de cada um dos partidos, conquistar o apoio de partidos tradicionalmente radicais a uma plataforma moderada, que é construída na base do cumprimento dos compromissos europeus. E este é um dos pressupostos do acordo".
"No momento em que o PCP e o Bloco aceitam apoiar um Governo que tem como um dos pressupostos os compromissos europeus, que são para cumprir, isso só por si já é um factor de moderação do Bloco e do PCP porque significa que compreendem a preocupação do Governo com o défice, a importância de ficarmos abaixo do défice de três pct e a importância de mantermos a trajectória de redução do défice e da dívida pública".
"Havendo dois partidos (PCP e Bloco) que, mesmo tendo ideias muito diferentes das do Partido Socialista, aceitam apoiar o Governo com base nesse pressuposto (europeu), que não pode ser posto em causa, fomos conseguindo compatibilizar os nossos compromissos europeus com o nosso próprio programa eleitoral e com uma melhoria das condições de vida dos portugueses, a estabilidade política está plenamente assegurada".
"Não há nenhuma razão para que este Governo não dure uma Legislatura inteira, o que seria a segunda vez que um Governo minoritário cumpriria uma Legislatura".
REUTERS: E com Bruxelas, as negociações como correm. Há algum 'feedback' sobre isso?
JOÃO GALAMBA: "O ambiente está muito mais descontraído. Compreende-se que possa ter havido uma certa desconfiança inicial; quando um Governo apoiado numa solução parlamentar inédita em Portugal, possa ter causado alguma apreensão à Comissão Europeia".
"Mas, acho que, com o passar do tempo, com as múltiplas negociações que tem sido feitas, quer na frente orçamental, quer na frente bancária, a informação que tenho é que as relações e a confiança entre a Comissão Europeia e o Governo português têm melhorado bastante e que o ambiente de trabalho é hoje perfeitamente normal e bastante produtivo". (Por Sérgio Gonçalves; Editado por Shrikesh Laxmidas)