Por Sergio Goncalves e Catarina Demony
LISBOA, 20 Jan (Reuters) - O Banco de Portugal (BdP) pediu hoje ao Eurobic, que tem Isabel dos Santos como maior accionista, que o informe se cumpriu os deveres de prevenção de 'lavagem de dinheiro' em transferências de uma conta bancária da estatal angolana Sonangol para uma 'offshore' no Dubai, revelada no Luanda Leaks.
O Eurobic referiu, em comunicado, que "o Conselho de Administração do EuroBic, em reunião hoje efetuada, deliberou encerrar a relação comercial com entidades controladas pelo universo da accionista Isabel dos Santos e pessoas estreitamente relacionadas com a mesma".
Este banco realça que a decisão foi tomada na sequência do Luanda leaks e "a perceção pública de que este banco possa não cumprir integralmente as suas obrigações pelo facto de Isabel dos Santos ser um dos seus accionistas de referência".
O Expresso disse ontem que, de maio a novembro de 2017, no último terço do seu mandato à frente da Sonangol, Isabel dos Santos fez com que a 'oil' angolana transferisse pelo menos 115 milhões de dólares de fundos públicos para o Dubai.
Este jornal, que integra o International Consortium of Investigative Journalists que está a investigar o Luanda Leaks, disse que parte desse dinheiro foi transferido através da conta da Sonangol no Eurobic em Lisboa para a offshore Matter Business Solutions no Dubai, controlada por pessoas com ligações profissionais à filha do ex-presidente de Angola.
"No que se refere às operações identificadas pela comunicação social, o BdP pediu hoje ao EuroBic informação que permita avaliar o modo como a instituição analisou e deu cumprimento aos deveres a que está sujeita em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BCFT)", disse o banco central em comunicado.
Adiantou que, "em função da avaliação da informação recebida, o BdP retirará as devidas consequências, nomeadamente em matéria prudencial e contraordenacional".
Afirmou que este comunicado foi feito "a propósito das notícias do ICIJ, tendo em atenção as notícias ontem vindas a público a propósito de Isabel dos Santos e do Eurobic".
O Expresso referiu que na conta da Sonangol no Eurobic havia 57,4 milhões de dólares a 15 de novembro, quando Isabel dos Santos foi demitida, e no dia seguinte tinha um saldo negativo de 451 mil euros.
"Apenas podemos esclarecer publicamente que os pagamentos ordenados pela cliente Sonangol à Matter Business Solutions respeitaram os procedimentos legais e regulamentares formalmente aplicáveis no âmbito da regular relação comercial existente entre este banco e a Sonangol, designadamente os que se referem à prevenção do branqueamento de capitais", disse o Eurobic.
Um porta-voz da procuradoria Geral da República disse que "as investigações já tornadas públicas prosseguem sob a direção do DCIAP-departamento central de Investigação e Acção Penal".
"O Ministério Público não deixará de analisar toda a informação que tem vindo a público e de desencadear os procedimentos adequados no âmbito das suas atribuições".
Adiantou que a "PGR de Portugal mantém uma estreita colaboração com a sua congénere angolana, tendo renovado em 26 de abril de 2019 o Acordo Adicional ao Acordo de Cooperação com a Procuradoria-Geral da República de Angola".
"Neste, como em todos os outros casos, dará seguimento aos pedidos de cooperação judiciária internacional que lhe sejam dirigidos", frisou.
Em comunicado, a Sonae (LS:YSO), que é parceira de Isabel dos Santos na telecom NOS, referiu que face às notícias do 'Luanda Leaks', "está a acompanhar a situação com atenção e preocupação, sobretudo dadas as alusões feitas a vários membros não executivos do Conselho de Administração da sua participada NOS".
"Neste contexto, foi desde já garantido que os órgãos competentes da sociedade estão a avaliar a situação de forma rigorosa e com sentido de urgência".
Isabel dos Santos e a Sonae têm cada 50% da ZOPT-SGPS, que detém 52,15% da telecom NOS.
Em comunicado, Isabel dos Santos disse que as alegações que estão a ser feitas contra si "são completamente infundadas" e é "um ataque político orquestrado e bem coordenado, numa tentativa de a neutralizar".
Afirmou que "o ICIJ e os seus parceiros mediáticos tiveram meses e meses a examinar estas supostas 'provas' e mesmo assim as alegações extremamente sérias que fazem contra mim neste relatório baseiam-se em nada mais do que suposições", afirmou.
"Em nenhuma parte destes documentos ou na sua divulgação foi demonstrado qualquer comportamento ilegal da minha parte ou das minhas empresas".
"Procurarei repor a verdade dos factos e lutar através dos tribunais internacionais para defender o meu bom nome", disse.
A 16 de Janeiro, a Reuters divulgou que o BdP está a fazer uma inspeção ao Eurobic, cuja maior accionista é a multi-milionária angolana Isabel dos Santos com 42,5%, para avaliar os mecanismos de reporte e controlo de branqueamento de capitais, mas o banco disse que cumpre integralmente a lei.
O Eurobic, frisando que estas acções fazem parte do "processo normal de acompanhamento ou monitorização" por parte do supervisor, disse que a inspeção "aos mecanismos de prevenção e controle do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo ... teve início em finais de Novembro".
Explicou que o BdP lhe comunicou que iria iniciar a inspeção "em Setembro de 2019, bem antes do referido arresto", ou seja antes de um tribunal de Luanda congelar as contas bancárias e posições em empresas angolanas de Isabel dos Santos.
Este tribunal também arrestou as contas e participações em empresas angolanas, do seu marido, o congolês Sindika Dokolo, e do gestor português Mário Leite da Silva, alegando que os três lesaram o Estado em mais de 1.000 milhões de dólares.
Isabel dos Santos e Sindika Dokolo têm negado.
Isabel dos Santos, em entrevista recente à Reuters, qualificou esta acção judicial para congelar os seus vastos activos como uma "caça às bruxas", que foi planeada para enfraquecer a influência do seu pai e distrair dos actuais falhanços económicos.
(Por Sérgio Gonçalves e Catarina Demony)