LISBOA, 24 Mar (Reuters) - O principal grupo de direitos humanos da Europa disse na quarta-feira que Portugal deve fazer mais para enfrentar o seu passado colonial e o seu papel no comércio transatlântico de escravos, a fim de ajudar a combater o racismo e a discriminação no país nos dias de hoje.
Os comentários do Conselho da Europa vieram numa altura em que o tópico sobre como Portugal recorda o seu passado histórico tem sido debatido nos últimos meses, já que o país se prepara para revelar o seu primeiro memorial às vítimas da escravatura, em Lisboa.
O memorial - filas de palmeiras pintadas de preto - foi concebido pelo artista angolano Kiluanji Kia Henda e financiado pela Câmara Municipal de Lisboa. Este ficará no centro da cidade.
Do século XV ao XIX, as embarcações portuguesas transportaram cerca de 6 milhões de africanos escravizados através do Atlântico, mais do que qualquer outra nação, mas até agora Portugal raramente comentou as suas acções passadas e pouco se ensina sobre o seu papel na escravatura nas escolas.
Pelo contrário, a era colonial de Portugal, que viu países como Angola, Moçambique, Brasil, Cabo Verde, Timor Leste, bem como partes da Índia sujeitas ao domínio português, é muitas vezes vista como uma fonte de orgulho.
"São necessários mais esforços para que Portugal se reconcilie com as violações dos direitos humanos do passado para combater os preconceitos racistas contra os povos de origem africana herdados de um passado colonial e do comércio histórico de escravos", disse o Conselho da Europa no seu relatório anual sobre Portugal, apelando a Lisboa que repensasse a forma como ensina a sua história colonial.
As queixas de discriminação racial aumentaram 50% para 655 em 2020, mas o número é provavelmente muito inferior à taxa real de incidentes racistas, disse a Secretária de Estado para a Igualdade, Rosa Monteiro.
"A nossa narrativa histórica é como uma ferida muito grave que não foi devidamente tratada. E para a curar, temos de falar sobre o que aconteceu", disse Monteiro à Reuters, acrescentando que o governo estava a preparar um plano nacional de combate ao racismo.
Entre os crimes de motivação racial recentes incluem-se o 'rally' ao estilo KKK, o tiroteio fatal de um actor negro por um homem branco na rua e ameaças enviadas por e-mail a deputados negros. está a preparar o seu primeiro inquérito oficial de sempre este ano sobre a origem étnica dos cidadãos. O serviço de fronteiras afirmou que em 2019 havia 103.346 africanos oficialmente residentes em Portugal, enquanto a maior comunidade migrante é do Brasil, contando com 151.304 pessoas.
O Conselho da Europa também manifestou preocupação com o aumento da retórica racista no discurso político, destacando o partido Chega de extrema-direita. único deputado do Chega, André Ventura, fez declarações públicas depreciativas contra minorias étnicas, incluindo contra o destacado activista anti-racista Mamadou Ba, que no mês passado foi alvo de uma petição pedindo a sua deportação por ter dito que a morte de um oficial colonial não deveria ser comemorada.
"Não estamos a tentar reescrever a história - estamos a dizer que a história que contamos hoje não é suficiente", disse Ba num protesto no domingo. "Queremos uma história que represente todos os portugueses".
texto integral em inglês: (Por Catarina Demony e Victoria Waldersee; Editado por Ingrid Melander e Alexandra Hudson; Traduzido por Mariana Ferreira Azevedo;Editado por Patrícia Vicente Rua em Lisboa)