Por Sergio Goncalves
LISBOA, 14 Dez (Reuters) - O ex-CFO do colapsado Banco Espírito Santo (BES) pôs hoje uma acção popular num tribunal de Lisboa contra o Banco de Portugal (BP) e a auditora KPMG, pedindo que sejam condenados a pagar 4.300 ME ao Estado por ser terem concertado e falsificado as contas do BES para provocarem a sua resolução em 2014.
Segundo a acção a que a Reuters teve acesso, nas contas do primeiro semestre de 2014, o BP e a KPMG "impuseram ao BES um ilícito empolamento das perdas, através do reconhecimento de provisões excessivas e prejuízos inexistentes, o que constituiu causa directa da resolução do BES e constituição do Novo Banco".
Aquando da resolução do BES em 3 de Agosto, o BP disse que o prejuízo semestral recorde de 3.577 milhões de euros (ME) reflectia a "violação de determinações do BP" que proibiam o aumento da exposição ao Grupo Espírito Santo (GES), colocando o rácio common equity TIER 1 (CET1) do BES em 5,1 pct, muito abaixo dos 7 pct de mínimo regulamentar.
Mas, nesta acção, interposta pelo ex-CFO Amilcar Morais Pires, enquanto cidadão contribuinte, refere que "o CET1, não fosse a objectiva falsificação das contas que implicou um agravamento do passivo de 1.953 ME, teria fixado em 8,25 pct".
Na acção é referido que a posterior sucessiva anulação daquelas provisões, "ocorrida em menos de um ano confirma a ilegalidade da constituição das mesmas".
"Esta acção foi interposta hoje no Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa", disse um porta-voz de Amílcar Morais Pires.
O banco central e a KPMG não fazem comentários, segundo os respectivos porta-vozes.
O ex-Chief Financial Officer do BES, Amílcar Morais Pires é arguido num processo crime relativo à venda de dívida da 'holding' da família Espírito Santo aos clientes do BES, estando indiciado, embora ainda não haja acusação.
A resolução do Novo Banco tem sido objecto de várias acções nos tribunais por parte de clientes, investidores e 'bondholders'.
O próprio BP também tem processos de contra-ordenação contra a KPMG.
INDEMNIZAÇÃO 4.300 ME
Nesta acção é exigido que o BP e a KPMG indemnizem a Tesouraria Geral do Estado em 4.330 ME, que corresponde à soma do empréstimo de 3.900 ME do Estado ao Fundo de Resolução (FR), aquando da criação do 'good bank', mais 430 ME injectados pelo FR no Novo Banco no âmbito do acordo de venda à Lone Star.
"Pretende-se (...) que os réus (BP e KPMG) sejam condenados a creditar na tesouraria do Estado, gerida pelo IGCP, o valor compensatório dos enormes danos sofridos (...) pelo Estado e (...) por todos os cidadãos contribuintes", refere.
Explica que tal se deve "em virtude de factos ilícitos e culposos praticados pelos mesmos réus no quadro da resolução do BES e da criação e venda do NB (Novo Banco), que implicaram o dispêndio de avultadíssimas somas de dinheiro público".
O 'good bank', expurgado dos 'activos tóxicos' do BES, foi criado em Agosto de 2014 com um capital inicial de 4.900 ME, sendo que 3.900 ME foram emprestados pelo Estado ao FR.
Em Outubro de 2017, o FR vendeu 75 pct do Novo Banco à americana Lone Star, mas foi criado um mecanismo de capital contingente até um máximo de 3.890 ME, que prevê que o FR continue a injectar fundos no banco, se o capital cair abaixo de um certo patamar, o que já aconteceu.
CONCERTADOS
Mas, a acção refere que houve uma "actuação concertada" entre o BP e a KPMG para determinar a resolução do BES e daí a "comparticipação e responsabilidades solidárias" de ambos.
Adianta que, numa atitude de complacência, "durante anos a fio, os réus BP e KPMG aceitaram, sem especiais reparos ou oposições, as relações entre BES e o GES e entre o BES e o BESA, sem que se tenham oposto às mesmas ou imposto limitações".
"Isto explica a reacção exacerbada de ambos contra o BES (e do réu BP contra a ré KPMG) quando percepcionaram que ambos poderiam vir a ser acusados de terem sido demasiado complacentes com o Grupo BES e o seu líder, Ricado Salgado, quando este era considerado o 'dono disto tudo', reacção essa que portanto foi, antes de mais, uma reacção exacerbada de autodefesa".
A acção recorda também que a KPMG era o auditor tanto do BES, como do BESA e de várias empresas financeiras do GES, frisando: "quando o BES foi resolvido (...) há mais de dez anos que a ré KPMG era seu auditor".
Acusa também o BP pelo facto do BES ter perdido a garantia soberana de Angola, no valor de 5.700 milhões de dólares, que se deveu "à decisão de não acompanhamento do aumento de capital do BESA".
Esta perda teve "o directo aumento do passivo, nas contas do BESA e do BES consolidado, relativo aos créditos que por ela estavam garantidos e com a inerente absoluta desvalorização do crédito de 3.330 ME do BES sobre o BESA". (Por Sérgio Gonçalves; Editado por Andrei Khalip e Catarina Demony)