Estamos perante uma crise que tem todas as características de uma crise temporária. A extraordinária reação da atividade económica à redução das medidas de confinamento, no fim da primavera, foi uma clara demonstração deste caráter temporário.
No entanto, a sua intensidade e algumas das consequências mais duradouras, obrigam-nos a ser mais exigentes na definição das políticas públicas para cada uma das fases da crise, mas, principalmente, para o período a seguir à crise. E este é o fórum mais adequado para colocar este desafio
Deixem-me falar brevemente do que é que vai ficar connosco: o que é que não é temporário.
Não é temporário, desde logo, o aumento da dívida: da dívida pública e da dívida privada. Mesmo que o aumento da poupança privada possa responder em parte a este desafio, em particular na dimensão da dívida privada, mantém-se um nível de dívida pública, que vinha a reduzir-se no período anterior à crise, mas que agora tem aqui um salto que os economistas gostam de descrever como discreto.
E vai manter-se também connosco uma maior desigualdade, precisamente aquilo que discutimos esta manhã. Esta nova desigualdade acresce a uma nova geração que sofre duas crises massivas em menos de 10 anos. A economia do trabalho sabe, há muitos anos, a importância que os momentos iniciais de inserção no mercado de trabalho têm na definição de toda a trajetória no mercado e temos aqui uma geração composta por muitas dezenas de milhares de trabalhadores que entraram no mercado de trabalho e foram confrontados com duas crises em sucessão.
Estes são alguns dos fatores que vão ficar connosco e que nós temos que pensar neles quando abordamos a questão da definição de políticas públicas.
Quais são os requisitos que gostaria de pôr em cima da mesa no desafio que vos proponho? O que é que o caráter temporário da crise impõe às políticas públicas? Vou focar-me em quatro fatores.
O primeiro é o de que, mais do que nunca, as novas políticas devem atuar na margem.
Os níveis de dívida tornam proibitivas intervenções massivas nos apoios sociais e à economia. Temos que ser ainda mais exigentes do que antes e, portanto, devemos ser mais focados. Os apoios devem ser focados, devemos evitar a todo o custo apoiar projetos empresariais inviáveis e devemos concentrar os apoios nos trabalhadores com maior dificuldade de inclusão no mercado de trabalho pós-pandémico.
Se esta é uma preocupação habitual na definição de políticas públicas, hoje, na situação em que nos encontramos, esta prioridade torna-se ainda mais evidente.
A segunda dimensão é a de que os apoios públicos devem ser temporários. Perante uma crise que não é estrutural, não devemos alterar as características fundamentais do nosso sistema de apoio social e económico. Devemos ser ainda mais focados, mas com apoios temporários. Na verdade, alterações permanentes neste momento irão distorcer os mecanismos de apoio à retoma da atividade e tornam-se mais difíceis de adaptar no futuro. E correm o risco de não responder às exigências da natureza da crise que temos em mãos.
A terceira dimensão na definição das políticas públicas foge um pouco mais a esta lógica de apoio à desigualdade e ao mercado de trabalho, mas é absolutamente crucial para a retoma.
Os fundos públicos que forem devotados ao investimento devem dar prioridade aos projetos que já estão em curso e que mostram sustentabilidade, não apenas financeira, mas também ambiental. É essa a transição a que estamos chamados. O investimento público, que é, aliás, essencial para o desenvolvimento do país, deve ser pensado de forma a catalisar o investimento privado, que, na verdade, constitui a vastíssima maioria do investimento total em qualquer economia e também em Portugal.
Para uma retoma eficaz, para que as medidas que estamos a definir nos apoios sociais e económicos se façam sentir e tenham impacto, os recursos públicos devem estar focados em projetos que estão em curso e que constituem já um enorme esforço público.
A quarta dimensão do desafio é a de procurarmos apoios ao emprego que promovam o emprego não nas mesmas empresas e setores, mas em novas contratações e na criação líquida de emprego. Este é um tema que está sempre presente em crises da dimensão daquela que estamos a viver.
A fase final da retoma é caracterizada por uma ativa reafectação de emprego entre empresas e entre setores. Esta é a evolução natural. Há um aumento da realocação e da reafetação que está intimamente ligado à melhoria da produtividade e, portanto, também à redução dos níveis de desigualdade pela promoção que faz do mercado de trabalho. Devemos mover esses apoios para esta atividade de realocação. Ela deve ser apoiada, não devemos ter políticas que se constituam como barreiras a esta mobilidade. Definir estas políticas não é trivial, mas o foco do desenho deve mover-se nesse sentido.
Faço notar que esta mudança não deve promover – e não tende a promover – a desproteção de rendimento dos trabalhadores. Mas, pelo contrário, promove a progressão de rendimento desses mesmos trabalhadores entre empregos.
Estes desafios à definição de políticas públicas podem ser enquadrados muito facilmente naquilo que foi também o desafio que o Professor Richard Blundell aqui nos deixou. Ao ter que atuar na margem, ao ter que ser focado, ao ter que ser inclusivo e englobador das diferentes dimensões da atividade económica, o mix de políticas deve dirigir-se a políticas que vão desde as políticas de capital humano, da educação e da formação; as políticas de mercado de trabalho, que incluem também o salário mínimo; e, obviamente, às empresas, às políticas de concorrência e regulação, que são aquelas que, no fim de qualquer processo de transformação, vão constituir os mecanismos de aproximação das políticas públicas às pessoas, às empresas e à sociedade como um todo.
Estas políticas devem ser desenhadas a pensar nas empresas e nos trabalhadores em simultâneo. Vou deixar-vos com dois ou três números do que foi a experiência portuguesa desde o fim da grande recessão económica que sofremos no contexto do programa de ajustamento.
Entre 2019 e 2013, os salários declarados à Segurança Social em Portugal aumentaram 32% em termos nominais. Esses 32% representaram mais 12 mil milhões de euros de massa salarial paga em Portugal. São 6% do PIB de aumento da massa salarial. Isto num contexto de baixa inflação.
O mais surpreendente é que, deste aumento, 10% correspondeu ao salário médio — houve um aumento do salário médio que representa qualquer coisa como 3,9 mil milhões de euros, se mantivéssemos o nível emprego constante —, mas 8,5 mil milhões de euros, os restantes 22%, foram para o crescimento do emprego assalariado em Portugal. Ou seja, desde o fim da crise, o mercado de trabalho em Portugal absorveu mais 22% de trabalhadores com registos assalariados na Segurança Social.
Esta dinâmica tem que ser retomada, com mercados mais eficientes e com políticas mais direcionadas.
O desafio que deixo aos investigadores é: como conseguimos complementar as políticas públicas para que una esforços com todos os recursos gerados no mercado de trabalho, de modo a reduzir a desigualdade de rendimentos em Portugal. Não vejo maneira disso acontecer se não for através de rendimentos gerados nos mercados – e o mercado de trabalho em Portugal deu uma resposta extraordinária no período posterior à crise de 2011-2013 – e permitir, assim, que o país seja mais competitivo para dar emprego aos inúmeros talentos que forma todos os anos no seu sistema de ensino, nos diferentes níveis.
Agora deixo-vos com alguns desses brilhantes talentos que tão merecidamente vão ser distinguidos pelos seus trabalhos na Universidade portuguesa.
Estou certo que esse talento se transporá para o mercado de trabalho e verá valorizar a sua valia em termos de inserção e progressão no mercado de trabalho.
É essa a necessidade e o desafio das políticas públicas em Portugal. A desigualdade tem que ser combatida neste conjunto muito vasto de ações e não pode deixar ninguém de fora: nem no sentido estrito da desigualdade nem daqueles que têm que lhe dar resposta.
Muito obrigado e felicidades aos premiados.