Começo por agradecer ao Senhor Presidente do Conselho Económico e Social, Professor Doutor António Correia de Campos, o convite que me endereçou para participar nesta conferência. É com muito gosto que aqui estou.
O tema da qualidade da gestão reveste-se da máxima importância para o desenvolvimento económico sustentado do nosso país e considero que é muito pertinente que ele seja debatido também no contexto da concertação social.
Trata-se de um tema que interessa não só aos investidores como aos trabalhadores, aos fornecedores e credores e aos clientes de uma empresa e, de uma forma mais geral, à comunidade em que a empresa está inserida. Todos os parceiros sociais dependem e determinam a qualidade da gestão de uma empresa, têm um contributo a dar para a promoção da qualidade da gestão. São também credores e beneficiários dos ganhos resultantes de uma gestão de qualidade nas nossas empresas.
O ambiente cívico e institucional determina os princípios e os valores que norteiam a gestão das organizações, tal como o quadro normativo condiciona essa mesma gestão e, em particular, a sustentabilidade do seu desempenho.
Esta reflexão é tanto mais urgente quanto qualquer sociedade vive numa permanente tensão entre as aspirações de consumo e bem-estar da sua população e a capacidade das suas empresas e organizações para gerarem o rendimento que permita satisfazer essas aspirações.
É o caso da sociedade portuguesa. Vivemos hoje uma fase de crescimento económico já distante da situação de emergência que atravessámos no início da década. Contudo, as aspirações de bem-estar individual e de equidade coletiva da sociedade portuguesa excedem a capacidade de produção da economia. E este desalinhamento entre aspirações e possibilidades, que é dinâmico, só pode ser colmatado com mais e melhor crescimento económico.
Ao longo das últimas duas décadas, o PIB per capita português manteve-se 30 a 40% abaixo da média da União Europeia, hiato que não foi superado pela trajetória de convergência que se tem verificado no passado mais recente. Esta evidência atesta a margem de progressão que temos.
Importa, por isso, identificar e concretizar condições que promovam o crescimento sustentável do produto potencial – isto é, que tornem a economia portuguesa estruturalmente capaz de crescer a taxas superiores no médio e longo prazo, independentemente das oscilações cíclicas.
Sabemos que o que separa a economia portuguesa das economias com melhor desempenho em termos de produto per capita são as diferenças de produtividade de cada hora trabalhada, e não o número de horas trabalhadas. A solução para um crescimento sustentável do nosso PIB per capita deve, portanto, centrar-se no acionamento das ‘alavancas’ que determinam a produtividade dos nossos trabalhadores.
No conjunto das principais ‘alavancas’ de produtividade, é habitual destacar as quatro seguintes:
- As competências dos trabalhadores;
- Os níveis de capital por trabalhador;
- O ecossistema de inovação;
- E a atratividade do ambiente de negócios.
Com frequência, ignoram-se duas ‘alavancas’, que são decisivas para que todas as restantes possam ter rendimento máximo: trata-se, por um lado, da capacidade empreendedora (diria, “pulsão empreendedora” de uma dada comunidade) e, por outro, da natureza, robustez e qualidade dos modelos de gestão.
Para que a combinação de capital e trabalho resulte na produção desejada pelo mercado, uma empresa necessita de um empreendedor, de uma organização e de um modelo de gestão.
Hoje, ocupar-me-ei da importância do modelo e da qualidade de gestão para o processo de desenvolvimento sustentável das empresas e das organizações e, por consequência,
- Para o crescimento do produto potencial;
- Para a capacidade de uma dada comunidade assegurar o equilíbrio entre aspirações e possibilidades;
- E, por via da função redistributiva, para salvaguardar a coesão social, ou conter fatores de conflitualidade ou de desagregação social.
O modelo de gestão reflete a forma como o gestor articula ambiente, organização e estratégia. Isto é, o modelo de gestão define uma organização, que desenha uma estratégia, de forma a tirar o melhor partido, e mesmo influenciar, o ambiente que a rodeia.
Esta articulação é que pode gerar uma diferenciação do desempenho da empresa face ao desempenho que naturalmente teria se apenas se ajustasse passivamente ao ambiente em que se insere.
Um exemplo ilustrativo desta diferenciação é visível na comparação entre a trajetória das grandes empresas do setor têxtil do Vale do Ave e da Galiza, nas últimas décadas. As diferenças de desempenho não residem na categoria setorial, que é idêntica, não residem nos trabalhadores, que provêm do mesmo estrato sociocultural, nem residem nas geografias onde se inserem, que são muito próximas. As diferenças decorrem precisamente dos modelos de gestão que foram postos em prática.
Estudos académicos largamente conhecidos, nomeadamente da autoria do Professor John Van Reenen, estimam que, em média, cerca de 30% das diferenças na produtividade entre países são explicadas por diferenças na qualidade da gestão. Para o caso específico da economia portuguesa, a estimativa não é muito distante: 27% da diferença de produtividade entre Portugal e a economia mais produtiva em análise – a dos EUA – relaciona-se com a diferença de qualidade de gestão.
Na mais recente edição do Global Competitiveness Index, publicado pelo World Economic Forum, Portugal fica atrás de 15 economias da União Europeia. Na lista de indicadores em que o nosso país obtém pior classificação, contam-se alguns intimamente relacionados com o empreendedorismo e os modelos de gestão, nomeadamente:
- A atitude perante o risco, em que ocupamos a posição 80 em 140 economias;
- A predisposição para delegar autoridade – posição 70 em 140;
- E a integração de ideias disruptivas – posição 46 em 140.
Se é verdade que estas comparações internacionais apontam ao nosso país uma importante margem de progresso, também os dados nacionais revelam um importante potencial de promoção da produtividade através da melhoria da gestão.
O Instituto Nacional de Estatística lançou, em 2017, a primeira edição do Inquérito às Práticas de Gestão. Este inquérito foi dirigido a gestores de topo de empresas sediadas em Portugal e visou recolher informação qualitativa sobre as práticas de gestão destas empresas, em domínios variados, desde a estratégia à organização, passando pela monitorização de objetivos e pela tomada de decisão.
Por esta via, potencia-se a avaliação do impacto das práticas de gestão na produtividade e noutros indicadores de desempenho das empresas portuguesas.
Com base nos resultados deste inquérito, o INE construiu um indicador compósito que permite dividir a amostra de empresas em dois grupos, consoante a qualidade das suas práticas de gestão. As empresas com melhores práticas apresentam, comparativamente com as restantes,
- Uma rendibilidade superior,
- Taxas de crescimento do volume de negócios e do valor acrescentado bruto mais elevadas;
- Taxas de investimento superiores;
- Maior aumento de trabalhadores com habilitações superiores;
- E níveis mais elevados de utilização de tecnologias de informação e comunicação.
Além de tudo isto, as empresas com melhores práticas de gestão apresentam também maior valor acrescentado bruto por trabalhador, isto é, apresentam níveis superiores de produtividade por trabalhador.
A riqueza destes primeiros resultados merece certamente aprofundamento e consolidação. Contudo, eles indiciam que a melhoria dos nossos modelos de gestão pode tornar a nossa economia mais produtiva.
Gostaria de destacar três vetores através dos quais os modelos de gestão do tecido empresarial português podem progredir.
O primeiro é a qualidade da organização. Uma organização bem desenhada e adaptada aos desafios da empresa permite mobilizar as funções e competências mais relevantes para o seu sucesso. A investigação empírica revela que, quando as empresas portuguesas se reorganizam em resposta a um choque externo, acrescentando uma nova linha hierárquica de gestores, a sua produtividade acelera.
Um segundo vetor promotor de qualidade na gestão é a dimensão da organização. Nos nossos dias, qualquer empresa com ambição enfrenta mercados globalizados, complexos, extensos e em constante mutação. A resposta a tais desafios requer organizações de dimensão elevada, capazes de rentabilizar e mobilizar recursos com qualidade. Existem já estudos empíricos que confirmam esta relação positiva entre dimensão da empresa e a qualidade da gestão.
Num tecido produtivo como o nosso, muito povoado por empresas familiares em transição para a terceira geração, o aumento da dimensão das organizações está intimamente ligado à visão empresarial das famílias que detêm o respetivo capital.
O que me leva ao terceiro vetor que gostaria de destacar: a relação entre a propriedade e a gestão.
A investigação empírica também já encontrou evidência de que a presença de capital social externo a uma dada família fundadora está associada a melhores práticas de gestão.
Os dados mostram ainda que a simples separação entre propriedade e gestão produz benefícios: regra geral, a qualidade da gestão é superior nos casos em que ela é entregue a pessoas externas à família que detém a propriedade da empresa.
A profissionalização da gestão é, pois, uma condição necessária para garantir a sobrevivência e a sustentabilidade a prazo das empresas familiares e, dessa forma, preservar o seu capital social.
Adicionalmente, a separação entre propriedade e gestão permite salvaguardar e encontrar um justo equilíbrio entre os interesses legítimos dos diferentes stakeholdersda empresa, contribuindo, também por esta via, para a sua sustentabilidade.
O que significa que, num contexto em que predominam empresas familiares e em que um grande número se encontra na transição para a terceira geração ou é controlada já pela terceira geração, é necessário refletir seriamente sobre a separação das funções empreendedora, detentora de capital e de gestão. Mais especificamente, no que respeita às empresas na fase de transição geracional, importa assegurar que a função detentora de capital não só é distinta da função de gestão como é exercida através de mecanismos estatutários de formação da vontade do detentor de capital que tenham em vista a sustentabilidade da organização e a capacitação da gestão. Há que evitar que bloqueios na formação da vontade do detentor de capital, por desinteresse ou por divergências entre herdeiros, incapacitem a gestão e coloquem em causa a continuidade de empresas viáveis.
É igualmente necessário que as políticas públicas favoreçam a separação das funções, de forma a garantir o espaço de manobra para profissionalizar a gestão e, por essa via, melhorar a qualidade desta mesma gestão. De facto, as políticas públicas podem incentivar de diferentes formas a profissionalização da gestão nas empresas familiares:
- Primeiro, revisitando o tratamento fiscal da distribuição de resultados, para incentivar a diferenciação entre propriedade e gestão e fomentar um equilíbrio adequado entre distribuição de resultados e reinvestimento de lucros;
- Segundo, generalizando a obrigatoriedade de as empresas apresentarem contas auditadas, por forma a garantir ao gestor a margem de manobra necessária para contrabalançar os vários interesses legítimos – stakeholders – da forma mais benéfica para a empresa;
- Terceiro, desenvolvendo e disponibilizando uma nova figura ou “instituto jurídico” que concentre as participações de uma dada família e que, desse modo, institucionalize o exercício da função de detentor do capital social de uma dada empresa, isto é a criação do instituto de “holding familiar”, enquanto tipificação jurídica de um modelo de gestão centralizada das participações sociais dos membros de uma família; este modelo deve ser opcional, supletivo e ajustado às especificidades das empresas familiares, com um tratamento estatutário e fiscal:
- Que induza o compromisso da holding com as suas empresas e com o território onde estão situadas;
- Que garanta a indispensável segurança jurídica;
- E que seja simples e de fácil acesso por empresas de menor dimensão. - Finalmente, os agentes de política económica podem ainda prestar um importante contributo ao promoverem o conhecimento generalizado e um debate aberto sobre o impacto da qualidade da gestão na produtividade das empresas e no bem-estar da sociedade. Esse mesmo contributo está hoje, aqui, a ser dado pelo Conselho Económico e Social. Esse mesmo contributo é também assumido pelo Banco de Portugal,
- Através da inclusão do tema da qualidade da gestão na sua agenda de investigação;
- Através da produção, disponibilização e análise de informação estatística de qualidade que possa apoiar o estudo do tema;
- E ainda sensibilizando o sistema bancário para a importância estratégica de considerar os modelos de gestão, a par das garantias reais, na avaliação de risco das empresas e dos seus projetos.
Em suma, não restam dúvidas de que a qualidade da gestão é central ao desafio de promoção da produtividade. A boa notícia é que Portugal tem ainda muito a ganhar em acionar esta ‘alavanca’. Em tempos como os de hoje, marcados por tão forte heterogeneidade e tão baixo dinamismo global na produtividade, torna-se imperativo que não desperdicemos esta oportunidade estratégica.
Termino renovando o agradecimento pelo convite para estar convosco nesta conferência e manifestando a minha disponibilidade para os comentários e questões que se seguirão.