Por Sergio Goncalves
LISBOA, 18 Abr (Reuters) - O Governo socialista e o Partido Social Democrata (PSD) firmaram acordos inéditos para transferir competências para municípios e sobre a posição de Portugal na negociação dos fundos estruturais europeus para a próxima década, uma aproximação que é criticada pelos parceiros governamentais euro-cépticos de esquerda.
Este são os primeiros acordos para reformas cruciais em áreas da economia, que o primeiro-ministro António Costa assina com o líder do PSD Rui Rio desde que este foi eleito em Fevereiro, urgindo a necessidade de diálogo pois nenhum partido sozinho conseguirá resolver os estrangulamentos estruturais do país.
António Costa explicou que "é essencial em matérias estruturantes, como a reforma do Estado ou matérias que transcendem o horizonte de uma Legislatura, que haja acordos políticos alargados".
"O país tem de se habituar à construção de compromissos políticos (pois) uma estratégia de desenvolvimento não pode ser do Governo, do maior partido da oposição, mas da sociedade portuguesa", disse o primeiro-ministro do Governo minoritário socialista, que é apoiado no Parlamento pelo Bloco de Esquerda (BE), o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Os Verdes.
"Se me perguntarem se este acordo é bom para o PSD, eu diria que isso tem pouco interesse. O acordo é bom para Portugal e por isso é bom para o PSD", disse Rui Rio, presidente do PSD, maior partido da oposição.
A assinatura dos acordos ocorreu na Residência Oficial do primeiro-ministro e foi firmada por António Costa e por Rui Rio que no passado foram, respectivamente, presidente da Câmara de Lisboa e presidente da Câmara do Porto.
Estes acordos mostram uma mudança na anterior relação 'crispada' entre o Governo socialista e o PSD, que governou entre 2011 e 2015, concluiu um austero resgate e ganhou as eleições nesse ano.
Mas, como o PSD não teve maioria, viu o Partido Socialista (PS) aliar-se no Parlamento aos euro-cépticos Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português (PCP) e Partido Os verdes para formar um Executivo para "virar a página da austeridade" através de acordos para aumentar o rendimento dos portugueses, aumentar salários públicos.
MANTER ENVELOPE
Tendo em conta que a saída do Reino Unido da União Europeia levará a uma queda na dotação global dos fundos europeus, os dois líderes acordaram uma estratégia de negociação com Bruxelas que permita que Portugal receba pelo menos os 30.000 milhões de euros (ME) de fundos estruturais do actual quadro comunitário.
O líder do PSD explicou que o financiamento pode ser via novos impostos europeus, como taxas sobre movimentos financeiros e sobre plataformas digitais, até multas de violações dos direitos de concorrência.
"Hoje é uma primeira fase da negociação, entramos depois numa segunda fase em que decidiremos como é que se vai afectar esse dinheiro", acrescentou Rui Rio.
O acordo relativo à descentralização prevê transferir competência do Estado para as autarquias, associadas a um 'envelope financeiro.
Serão realizados dois a três estudos por entidades independentes, que devem ser universidades, para analisar o que deve ser feito numa segunda fase da descentralização: organização subnacional do Estado e descentralização para a escala regional, metropolitana e intermunicipal.
DESCONFORTO ESQUERDA
Mas, o desconforto do Bloco de Esquerda, do PCP e do Partido Os Verdes com estes acordos entre o Governo e o PSD é evidente.
Mariana Mórtagua, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, criticou hoje o facto do Governo se ter virado novamente para o PSD para fazer o acordo quanto aos fundos estruturais.
Adiantou que, ao longo dos últimos anos, os acordos entre o PS e PSD acerca dos fundos estruturais "privilegiaram as parceiras público-privadas, os sectores rentistas da sociedade, não contribuíram, na nossa avaliação, para o desenvolvimento do sector produtivo como deveriam ter contribuído".
"Nós fazemos uma má avaliação dessas escolhas".
Heloísa Apolónia, deputada do Partido Os Verdes, questionou hoje o primeiro-ministro no Parlamento sobre "o que significam" os acordos com o PSD: "alguma saudade que lhe bateu ou uma tentativa ingénua de branquear as responsabilidades que o PSD teve na tragédia que passou pelo país?".
Recentemente, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, criticou a chamada 'geometria variável' do Governo socialista - "entendimento com uma parte em questões sociais, entendimento com outra nas questões de fundo, estruturais".
"Isto não vai lá com 'geometrias variáveis', mas com a ruptura com a política de direita que nos tem afligido durante tantos anos e procurar uma saída patriótica e de esquerda", disse Jerónimo de Sousa.
Na sexta-feira passada, os três parceiros euro-cépticos à esquerda do PS, já tinham criticado o Governo por, no Programa de Estabilidade, visar uma rápida redução do défice e visar excedentes, em vez de gastar dinheiro em investimento nos serviços públicos, como Saúde e Educação.
O Instituto Nacional de Estatística anunciou, em 26 de Março, que o défice de Portugal de 2017 se fixou em 3 pct do PIB incluindo a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, em cima do limite da União Europeia (UE), mas retirando este impacto extraordinário caiu para metade nos 0,92 pct.
E, no Programa de Estabilidade, que foi entregue no Parlamento na sexta-feira passada, o Governo prevê um excedente de 0,7 pct do PIB em 2020, reforçando o 'superhavit' para 1,4 pct em 2021 e fixando-o em 1,3 pct em 2021.
(Por Sérgio Gonçalves; Editado por Patrícia Vicente Rua)