Durante a maior parte deste século, a Alemanha tem sido um sucesso económico. Dominou mercados globais de produtos de alta qualidade, como carros de luxo e maquinaria industrial. Os alemães vendiam tanto para o resto do mundo que metade da economia funcionava com exportações.
O emprego era abundante e o dinheiro nos cofres do Estado crescia, enquanto outros países europeus se afogavam em dívidas. Escreviam-se livros sobre o que os outros países podiam aprender com a Alemanha.
Agora a história é outra.
A Alemanha é atualmente a grande economia desenvolvida com o pior desempenho do mundo. Tanto o Fundo Monetário Internacional como a União Europeia preveem que a economia alemã registe uma contração este ano.
A recessão surge na sequência da invasão russa da Ucrânia e da perda do gás natural barato de Moscovo. Tal foi um choque sem precedentes para as indústrias de energia intensiva da Alemanha, que durante muito tempo foi a potência industrial da Europa.
O súbito fraco desempenho da maior economia europeia desencadeou uma onda de críticas e debates sobre o caminho a seguir.
Berlim arrisca-se a uma "desindustrialização", uma vez que os elevados custos da energia e a inação do governo em relação a outros problemas crónicos ameaçam enviar novas fábricas e empregos bem remunerados para outros locais, acredita Christian Kullmann, diretor executivo da grande empresa química alemã Evonik Industries AG.
Christian Kullmann, diretor executivo da empresa alemã de especialidades químicas Evonik Industries, olha para o centro da cidade de Essen. AP Photo/Martin Meissner
A partir da janela do seu escritório no 21º andar na cidade alemã de Essen, Kullmann destaca os símbolos do sucesso anterior da histórica região industrial do Vale do Ruhr: chaminés de fábricas de metal, montes gigantescos de resíduos de minas de carvão agora encerradas, uma enorme refinaria de petróleo da BP e a extensa unidade de produção química da Evonik.
A antiga região mineira está agora repleta de turbinas eólicas e espaços verdes - um espelho da transição energética.
A perda do gás natural russo barato, necessário para alimentar as fábricas, "prejudicou dolorosamente o modelo de negócio da economia alemã", diz Kullmann.
Depois de a Rússia ter cortado a maior parte do seu gás para a União Europeia, o governo alemão pediu à Evonik que mantivesse a sua central elétrica a carvão dos anos 60 a funcionar durante mais alguns meses.
A empresa está a substituir a central por dois geradores a gás que poderão mais tarde funcionar com hidrogénio, no âmbito dos planos para se tornar neutra em carbono até 2030.
As fissuras nos alicerces da Alemanha
O governo procura uma solução. Um limite máximo financiado pelo governo para os preços da eletricidade industrial é uma das hipóteses, para que a economia passe pela transição para as energias renováveis.
A proposta do vice-chanceler Robert Habeck, dos Verdes, enfrentou a resistência do chanceler Olaf Scholz, social-democrata, e do parceiro de coligação pró-empresarial, os Democratas Livres. Os ambientalistas afirmam que esta medida prolongaria a dependência dos combustíveis fósseis.
Kullmann é a favor. "Foram as decisões políticas erradas que, em primeiro lugar, desenvolveram e influenciaram os elevados custos da energia. E não pode ser agora a indústria alemã e os trabalhadores alemães a pagar a fatura."
O preço do gás é quase o dobro do que era em 2021, prejudicando as empresas que precisam dele para fazer vidro, papel e revestimentos metálicos usados em edifícios e carros.
Um segundo golpe veio com o abrandamento da economia da China, um parceiro comercial fundamental, após várias décadas de forte crescimento.
Estes choques externos expuseram fissuras nos alicerces da Alemanha, ignoradas durante anos de sucesso, incluindo a utilização tardia da tecnologia digital no governo e nas empresas e um processo moroso de aprovação de projetos de energias renováveis extremamente necessários.
Além disso, o dinheiro que o governo tinha em caixa devia-se, em parte, aos atrasos no investimento em estradas, na rede ferroviária e na Internet de alta velocidade nas zonas rurais.
As empresas enfrentam uma grave escassez de mão de obra qualificada, com as ofertas de emprego a atingirem um recorde de pouco menos de dois milhões.
A decisão de 2011 de encerrar as restantes centrais nucleares alemãs foi posta em causa devido às preocupações com os preços e a escassez de eletricidade. O governo já admitiu ter sido um erro confiar na Rússia para fornecer gás de forma fiável através dos gasodutos Nord Stream sob o Mar Báltico - entretanto encerrados e danificados durante a guerra.
Empresas querem transitar para energia limpa
Atualmente, os projetos de energia limpa são travados por uma extensa burocracia. Os limites de distância em relação às casas mantêm a construção anual de turbinas eólicas em apenas um dígito na região sul da Baviera.
Uma linha elétrica de 10 mil milhões de euros, que trará energia eólica do norte para a indústria do sul, tem sofrido atrasos devido à resistência política às torres à superfície. O enterramento da linha significa a sua conclusão em 2028, em vez de 2022.
Entretanto, as empresas com utilização intensiva de energia estão a tentar fazer face ao choque de preços.
A Drewsen Spezialpapiere, que fabrica papel para passaportes e selos, bem como palhinhas de papel, comprou três turbinas eólicas perto da sua fábrica no norte da Alemanha. Assim, consegue cobrir cerca de um quarto da sua procura externa de eletricidade, à medida que se afasta do uso do gás natural.
A empresa de vidros especiais Schott AG experimentou substituir o gás por hidrogénio isento de emissões na fábrica onde produz vidro em tanques a uma temperatura de 1.700 graus Celsius. Funcionou, mas apenas em pequena escala, com o hidrogénio fornecido por camião. Seriam necessárias quantidades maciças de hidrogénio produzido com eletricidade renovável e fornecido por gasoduto, o que ainda não existe.
Scholz apelou a que sejam criados urgentemente quatro terminais flutuantes de gás natural em meses para substituir o gás russo perdido. O gás natural liquefeito que chega aos terminais por navio, proveniente dos Estados Unidos, do Qatar e de outros países, é mais caro do que o fornecimento por gasoduto russo, mas o esforço mostrou o que a Alemanha pode fazer.
No entanto, as disputas entre o governo de coligação sobre o limite do preço da energia e uma lei que proíbe novos fornos a gás exasperaram os líderes empresariais.
A Alemanha tornou-se complacente durante uma "década de ouro" de crescimento económico, entre 2010 e 2020, diz Holger Schmieding, economista-chefe do banco Berenberg.
Schmieding, que em tempos apelidou a Alemanha de "o homem doente da Europa" numa influente análise de 1998, considera que esse rótulo seria exagerado atualmente, tendo em conta o baixo nível de desemprego e a solidez das finanças públicas. Isto dá à Alemanha espaço para atuar, mas reduz a pressão para fazer mudanças.
O passo imediato mais importante, de acordo com o economista, seria acabar com a incerteza sobre os preços da energia. Quaisquer que sejam as políticas escolhidas, "já seria uma grande ajuda se o governo chegasse rapidamente a um acordo sobre elas, para que as empresas saibam o que estão a fazer e possam planear em conformidade, em vez de adiarem as decisões de investimento".