Por Julien Ponthus e Blandine Henault
LONDRES/PARIS, 25 Jun (Reuters) - Um operador independente em França acumulou futuros de acções equivalentes a 6.600 milhões de dólares (MD) num único dia, o que criou dúvidas entre os investidores sobre como ele pode montar uma posição tão grande apesar de ter apenas 20 mil euros na sua conta na corretora.
As salvaguardas da indústria financeira foram reforçadas nos 10 anos após o operador Jerome Kerviel ter causado ao banco francês Société Générale um prejuízo de 4.900 milhões de euros e controles internos das empresas financeiras foram criados para impedir que operadores individuais assumam posições tão grandes.
Mas Harouna Traore conseguiu comprar 43.941 contratos futuros do S&P 500 avaliados em 5.300 MD e 34.388 contratos futuros do Eurostoxx 50 no valor de 1.200 milhões de euros em 29 de junho do ano passado. Os negócios foram feitos através da corretora londrina Valbury Capital, segundo registos de operações vistos pela Reuters.
Quando contactado, Traore, 41 anos, fez referência a um documento judicial também visto pela Reuters no qual ele confirmou as operações e em que afirma que os negócios que fez foram resultado de um erro. Segundo Traore, ele inicialmente pensava que estava a usar uma plataforma de treino, onde os limites de negócios não se aplicam, em vez de um ambiente real.
Ele agora está a processar a Valbury Capital num tribunal em França, alegando que a corretora ficou com os 11 milhões de dólares de lucro gerados pelas suas operações.
Procurada, a Valbury Capital recorreu ao advogado Robert Falkner, sócio do escritório de advocacia Reed Smith, que está a representar a corretora. Falkner afirmou que havia um limite contratual de operações na conta de Traore, mas não deu mais detalhes.
Um email de 16 de junho do ano passado da Valbury Capital para Traore, visto pela Reuters, afirma que a conta do investidor francês de 20 mil euros tinha um limite de operações de apenas 10 contratos futuros por dia.
"Houve um erro na conta dele", disse Tarek Elmarhri, director do espaço de treino de negócios Krechendo em Paris, cuja plataforma de negociação é usada por Traore e outros investidores em operações diárias.
O erro permitiu que Traore "pudesse comprar um número sem limite de contratos" no sistema em que ele passou apenas oito semanas sendo treinado para usar, disse Elmarhri. Traore pediu para Elmarhri avaliar com ele as operações de 29 de junho quando ele voltou à Krechendo.
Nos parâmetros de risco da conta de Traore na Valbury Capital, segundo imagem do écrân da conta vista pela Reuters, o crédito do utilizador indica como "ilimitado".
As enormes posições acumuladas por Traore são muitas vezes maiores que operadores experientes em bancos de investimentos podem comprar num dia de operações, disse Elmarhri.
Representantes da Financial Conduct Authority, da Inglaterra, e da francesa AMF não comentaram o assunto.
CHOQUE
Os registos de negócios vistos pela Reuters mostram que Traore primeiro negociou contratos futuros da Eurostoxx 50 na tarde de 29 de junho, uma posição que ele encerrou antes do fecho do mercado europeu, o que o deixou com um prejuízo de 2,4 milhões de euros.
Ele então começou a negociar futuros do S&P 500 e conseguiu fechar a sua posição com um lucro de 13,6 milhões de dólares, embora ele pudesse ter sofrido uma perda de entre 100 milhões e 200 milhões de euros se os mercados accionistas tivessem caído entre 3 e 4 por cento, disse Elmarhri, da Krechendo.
Traore teve um prejuízo de 900 euros no ambiente de negociação da Krechendo na manhã de 29 de junho e acrescentou que decidiu ir para casa para praticar numa versão de treinamento da plataforma.
Foi então que ele montou as enormes posições em contratos futuros. Ele afirmou à Reuters que somente percebeu que as suas apostas eram "reais" quando viu que atingiu um prejuízo da ordem de milhão de euros.
"Eu achei que era o fim da minha vida. Eu pensei como eu vou pagar tudo isso?", disse Traore, acrescentando que foi nessa situação em que decidiu tentar fazer mais negócios para conseguir lucro. Quando conseguiu, Traore ficou em casa no dia seguinte.
"Eu estava em choque", afirmou. Ele afirmou que recebeu comunicados normais da Valbury Capital no dia seguinte e não teve nenhum contacto com a corretora antes de ligar para ela na semana seguinte para explicar o que aconteceu.
O operador afirmou que não foi alertado, antes de fazer as suas apostas multi-milionárias, que a sua conta não tinha limites e negou que sabia que estava a negociar numa plataforma real.
Elmarhri afirmou que como Traore acertou as suas operações com lucro antes da conclusão dos negócios, as suas posições gigantes em contratos futuros passaram desapercebidas até a semana seguinte.
"Isso pode acontecer de novo, as regras actuais não são efetivas", disse Elmarhri, realçando que os limites de operações devem ser estritamente implementados pelos operadores.
Traore trabalhou entre 2013 e 2017 para a Thomson Reuters, a companhia controladora da Reuters, conforme mostra o seu perfil no LinkedIn.
História em inglês: para português por Sérgio Gonçalves)