Por Sergio Goncalves e Axel Bugge
LISBOA, 29 Mai (Reuters) - A EDP-Energias de Portugal considera o 'bid' de 9.000 milhões de euros (ME) da China Three Gorges (CTG) baixo, mas o jogo não é uma mera questão financeira e está a desenrolar-se no tabuleiro da alta política internacional, com uma clara convergência de interesses entre Pequim e Lisboa, segundo fontes.
Há duas semanas a CTG anunciou um 'takeover' sobre o maior grupo industrial de Portugal a 3,26 euros acção, apenas cinco pct acima da cotação de fecho, levando o 'board executivo' a frisar que "o prémio implícito na oferta é baixo" comparando com aquisições de controlo em utilities europeias. acções da EDP (LS:EDP) têm-se sustentado acima daquele preço e tocaram o máximo desde Setembro de 2015 nos 3,53 euros, mas o valor pode vir a revelar-se um pormenor pois o 'bid' da CTG está escorado no 'bom entendimento' entre Lisboa e Pequim, que permitiu forjar uma genuína aliança há já largos meses.
"Os chineses estabeleceram laços de confiança com Portugal. Há confiança mútua e isso muda tudo", disse uma fonte política conhecedora do dossier negocial.
"Isto é puramente político. A CTG sabia que havia muitas empresas europeias que estavam a olhar para a EDP, que tem uma dimensão média e activos interessantes", afirmou outra fonte da indústria próxima da EDP e conhecedora do processo.
No início de Julho de 2017, a Reuters referiu que o 'chairman' da Gas Natural GAS.MC , Isidre Fainé, se tinha aproximado do CEO da EDP, António Mexia, para uma fusão, criando um campeão ibérico capaz de competir com a Engie ENGIE.PA e a EDF EDF.PA e não muito atrás dos pesos-pesados Enel ENEI.MI e Iberdrola IBE.MC . A EDP e a Gas Natural negaram conversações. quase um ano a Gas Natural Fenosa aproximou-se da EDP e foi esse o momento que levou a CTG a começar a pensar nisto (bid)", afirmou um fonte industrial próxima do 'bid'.
Fontes oficiais da CTG e da EDP não comentam.
O Governo não respondeu a perguntas colocadas pela Reuters.
GOVERNO DESAGRADADO
Segundo fontes, apesar de saber que a EDP era cobiçada, o primeiro-ministro socialista ficou desagradado com a investida dos espanhóis, até porque o 'deal' poderia redundar na diluição da EDP na Gas Natural, perdendo a sua relevância e autonomia estratégica, como aconteceu com a Cimpor (LS:CPR) e outras empresas.
As conversas intensificaram-se por essa altura, disseram fontes.
"Se a CTG é um parceiro que leva mais de seis anos a investir numa companhia, num sector estratégico para Portugal e com boas relações com o Governo, é natural que falem", frisou a fonte da indústria próxima do 'bid'.
"Esta não é a solução menos má, é a melhor solução", disse, frisando que "a CTG quer ter 50 pct mais uma acção" da EDP, que esta tenha um bom 'free float', seja baseada em Lisboa e lidere as operações e a expansão na Europa, Américas e lusofonia.
E a CTG quer aportar à EDP activos seus do Brasil e Europa.
"O preço da Oferta está em níveis razoáveis", disse a fonte industrial próxima do 'bid', apesar do mercado estar a apostar numa subida da contrapartida.
As acções da EDP estão a negociar nos 3,389 euros.
Os analistas do CaixaBank/BPI afirmaram que o mercado está a suportar a perspectiva de alguns accionistas da EDP que esperam que o 'board' da empresa defenda um prémio de 20 a 30 pct. o anúncio do 'bid', o fundo norte-americano Capital Group, o segundo maior accionista individual da EDP, reduziu a sua posição na eléctrica portuguesa de 12 pct para 9,97 pct, que contudo é uma posição significativa.
"A maioria dos accionistas da EDP é estrangeira, então não é nada estranho que o Governo não tenha mencionado o preço", disse Filipe Garcia, presidente da IMF-Informação de Mercados Financeiros.
"O que importa para o Governo é a importância estratégica da EDP para o país", acrescentou.
MUDA CÓDIGO
Ainda nesse mês de Julho de 2017, o Governo fez uma crucial alteração ao Código de Valores Mobiliários, que facilita o 'movimento' dos chineses pois passou a permitir à CTG votar isoladamente com os 23,27 pct que tem na EDP e à chinesa CNIC com os 4,98 pct.
Se não fosse esta alteração, as duas empresas detidas pelo Estado chinês teriam de agrupar os votos num total de 28,25 pct, mas apenas votariam com 25 pct - o limite imposto nos Estatutos da EDP.
O primeiro ministro disse que essa alteração, há um ano foi iniciativa sua e apenas visou dar a outros investidores estrangeiros, nomeadamente chineses, as mesmas condições dos europeus.
"(A proposta dessa alteração) foi iniciativa minha, de forma a assegurar que Portugal oferecia idênticas condições aos estrangeiros, designadamente aos chineses, que têm os europeus", disse na semana passada António Costa, no debate parlamentar.
"(A alteração) foi aprovada há um ano, quando não havia qualquer OPA, nem previsão de qualquer OPA", frisou.
Segundo o diploma, aquela mudança visou "a captação de investimento directo estrangeiro, designadamente, entidades infra-estaduais estrangeiras com as suas próprias estratégias de internacionalização e de investimento".
A alteração legislativa também dá maior força à CTG para bloquear uma contra-oferta já que lhe permite facilmente atingir um-terço dos votos para travar qualquer desblindagem dos Estatutos, condição 'sine qua non' de sucesso de um outro 'bid'.
RELAÇÃO TENSA
Mas, enquanto Portugal e a China estreitavam laços, o primeiro-ministro, António Costa, e o CEO, António Mexia, trocavam 'farpas' acerca de eventuais 'rendas excessivas' dos Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual e uma polémica contribuição extraordinária para o sector energético (CESE).
Em Junho de 2017, no Parlamento, António Costa disse que "certos operadores, designadamente a EDP, têm várias manhas para conseguirem contornar muitas vezes, com a indevida cobertura das entidades reguladores, aquilo que é garantido".
Em Janeiro de 2018, quando a EDP deixou de pagar a CESE, o primeiro ministro lamentou a "atitude hostil" da EDP, quando tinha sido "dócil" com o anterior Governo de centro-direita.
Mexia, ex-presidente da Euroeletric, em resposta, disse que a "EDP não tem nenhuma atitude hostil para com o Governo", apenas defende os interesses da EDP.
ABERTURA À CHINA
A abertura de Portugal ao investimento chinês vem desde o anterior Governo e contrasta com a postura desconfiada de outros Governos europeus e norte-americano.
No final de 2011, quando Portugal agonizava num severo resgate financeiro, a CTG adquiriu 21 pct na EDP por 2.700 ME, ou 3,45 euros por acção, que representou um prémio de 53 pct, superando a alemã E.ON e a brasileira Eletrobras (SA:ELET3).
No início de 2012, a State Grid da China comprou 25 pct da REN RENE.LS , em 2014, a Fosun comprou a maior empresa de seguros de Portugal, a Fidelidade, por 1.000 ME e usou-a para comprar a Luz Saude no mesmo ano por 460 ME.
Em 2016, a Fosun adquiriu 16,7 pct no maior banco cotado português, Millennium bcp BCP.LS , e desde então aumentou a sua posição para mais de 27 pct.
Ao abrigo dos 'Golden Visa', que dá direito de residência a não europeus, os cidadãos chineses também injectaram 2.000 ME em casas entre 2013 e 2017, ou 60 pct do total, impulsionando um 'boom' imobiliário que sustentou a retoma económica.
Segundo fontes, não foi à toa que o primeiro-ministro, ainda antes da CTG ter anunciado oficialmente o 'takeover', tenha dito que o Governo não tinha "nada a opôr" ao potencial 'bid' da CTG.
O 'OK' do Governo é uma condição do 'bid'.
"Nós não temos nada a opor, não temos nenhuma reserva ...os investidores chineses têm sido bons investidores quer na REN, quer na EDP, quer em outros. Nós somos um país aberto não temnos uma visão fechada", disse o primeiro ministro, uma hora antes do anuncio da CTG no site do regulador CMVM. muito oportuna visita a Lisboa, na sexta feira passada, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, disse que o seu país continuará a incentivar o investimento das suas empresas em Portugal graças à "atitude aberta" do país ibérico.
Esta visita destina-se a preparar a visita do Presidente Xi Jinping no final do ano.
"A visita pode significar uma nova etapa da parceria estratégica entre os dois países, com a celebração de acordos", concluiu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
(Por Sérgio Gonçalves; Editado por Patrícia Vicente Rua)