Por Sergio Goncalves
LISBOA, 6 Jun (Reuters) - A Europa ainda não tem os instrumentos para resistir a uma nova crise financeira e tem de avançar urgentemente com "medidas ousadas" para concluir a União Bancária, visando restaurar a confiança e para lidar com o eurocepticimo, disse a vice-governadora do Banco de Portugal (BP), Elisa Ferreira.
A responsável pela supervisão prudencial do BP adiantou que "não se deve subestimar quanto se conseguiu em tão curto período de tempo", mas alertou: "estamos numa encruzilhada e (...) todos os pró-europeus, têm o dever de abordar as questões críticas pendentes da União Bancária".
"Os fundamentos da arquitetura europeia ainda não são suficientemente robustos para resistir ao impacto de uma crise futura. Este deve ser o foco dos formuladores de políticas e instituições relevantes", disse a vice-governadora do BP.
"Como muitas vezes no passado, no caso do projecto europeu, agora, no contexto atual, decisões ousadas são mais necessárias do que nunca", acrescentou.
Adiantou que "a conclusão da união bancária é, em muitos aspectos, uma forma de restaurar a confiança dos cidadãos europeus nas instituições europeias, criar a confiança necessária entre os Estados-Membros e abordar o aumento do eurocepticismo".
"Com o benefício de seis anos de retrospectiva, agora está claro que vários elos e elementos estabilizadores estão a faltar na União Bancária. Estes precisam ser urgentemente abordados".
"É necessária vontade política decisiva para avançar com a conclusão da União Bancária, acompanhada de uma avaliação adequada das implicações subjacentes para os modelos de negócio dos bancos", realçou Elisa Ferreira.
Lembrou que o compromisso europeu em relação à União Bancária "ajudou a combater a fragmentação financeira e teve como objetivo tranqüilizar os cidadãos enquanto construía a confiança necessária entre os Estados Membros".
No entanto, "à medida que os dois primeiros pilares da União Bancária foram implementados, a vontade política de construir o terceiro pilar - um Sistema Europeu de Seguro de Depósitos (EDIS) - e concluir a União Bancária diminuiu".
"Novas e maiores barreiras surgiram quando nos aproximamos de uma linha de chegada que foi acordada há muitos anos. Os formuladores de políticas ficaram presos no debate sobre a redução de riscos versus a partilha de riscos, perdendo de vista os objetivos gerais", afirmou a vice-goovernadora.
ENCRUZILHADA
Afirmou que actualmente "União Bancária significa que as decisões de supervisão e resolução são em sua maioria europeias, enquanto o último garantidor da estabilidade financeira permanece nacional, com ferramentas limitadas para agir".
Tendo em conta o desfasamento existente entre a supervisão europeia e a responsabilidade nacional, "os objetivos e interesses das várias partes interessadas envolvidas não estão alinhados".
"Então, precisamos perguntar: quem está realmente a cuidar da estabilidade financeira? E qual instituição é capaz e realmente equipada para protegê-la?", perguntou.
Afirmou que é preciso "pôr de lado o debate de redução de risco versus partilha de risco que está impedindo o estabelecimento de um Sistema Europeu de Seguro de Depósitos (EDIS) completo.
"O EDIS é um instrumento de redução de risco necessário que reduz o risco moral - e deve ser reconhecido como tal. O medo de que o EDIS implique transferências significativas entre os países no caso de uma nova crise bancária é injustificado".
A regulamentação também se tornou "um risco iminente: se apenas bancos maiores forem capazes de cumprir regulamentações cada vez mais complexas e exigências potencialmente desproporcionais, poderíamos estar a promover o retorno de grandes demais para fracassar - o que estávamos a tenta evitar".
"Enquanto ameaça a sobrevivência dos bancos tradicionais que aceitam depósitos", disse.
Adiantou que a abordagem adotada na UE em relação ao MREL - Minimum Requirements for own funds and Eligible Liabilities - "combinada com um conjunto de outros regulamentos, pode desafiar a sustentabilidade do modelo de negócios de instituições de médio porte predominantemente financiadas por capital e depósitos".
"O financiamento de pequenas e médias empresas, que constituem o núcleo da economia e da criação de emprego na UE, podem assim tornar-se mais difíceis - com as consequentes consequências sociais e políticas", concluiu. (Por Sérgio Gonçalves Editado por Patrícia Vicente Rua)