A primeira vez que Jade teve um ataque de pânico, chamou uma ambulância. Aterrorizada e sentindo que o mundo tinha subitamente ficado de pernas para o ar, a jovem de 29 anos tinha parado recentemente de tomar pregabalina, um medicamento que lhe tinha sido receitado para a ansiedade.
Dois anos depois, ainda está a tentar deixar de tomar o medicamento.
"Se não tomo uma dose, tenho dificuldade em respirar, despersonalização, ataques de pânico, extrema inquietação corporal, sensação de que vou desmaiar", conta Jade à Euronews Health.
"Acho que os médicos não se apercebem da gravidade da situação."
De acordo com um estudo, o medicamento foi receitado a mais de oito milhões de pessoas no Reino Unido.
Nos últimos cinco anos, registaram-se cerca de 3.400 mortes relacionadas com a pregabalina na Grã-Bretanha, 779 das quais só em 2022, contra apenas nove mortes na década anterior, de acordo com uma investigação do The Sunday Times.
Estes números colocaram um holofote sobre os perigos potenciais do medicamento amplamente prescrito e destacaram preocupações de longa data sobre a dependência de drogas.
O que é a pregabalina?
Também conhecida pelos nomes comerciais Alzain, Axalid e Lyrica, a pregabalina é um anticonvulsivo que foi inicialmente prescrito para tratar a epilepsia, mas que é atualmente utilizado para o tratamento da ansiedade e das dores nos nervos.
Embora os seus mecanismos ainda não sejam totalmente compreendidos, pensa-se que a pregabalina atua reduzindo a atividade eléctrica anormal no cérebro dos epiléticos e subjugando as substâncias químicas indutoras de ansiedade e as dores nervosas através do bloqueio de neurotransmissores específicos, diz o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS).
As doses comuns de pregabalina variam entre 150 mg e 600 mg, geralmente divididas em dois a três comprimidos por dia. Pode também ser tomada em líquido.
Em 2019, passou a ser um medicamento de classe C ao abrigo da Lei do Uso Indevido de Drogas de 1971, tornando ilegal a sua posse sem receita médica. Esses controles foram devidos a "fatalidades crescentes", afirma o governo do Reino Unido.
Os efeitos secundários listados incluem dores de cabeça, sensação de sono, diarreia, alterações de humor, sensação de enjoo, membros inchados, visão turva, dificuldades de ereção, problemas de memória e aumento de peso.
O NHS refere que estes sintomas são normalmente "ligeiros e desaparecem por si próprios", mas muitas pessoas a quem foi receitado o medicamento afirmam ter tido experiências negativas.
Vidas devastadas pelo medicamento
Apesar de ser benéfica no tratamento de determinadas doenças, algumas pessoas tornam-se dependentes do estado de "euforia" ou relaxamento que a pregabalina pode induzir, criando rapidamente tolerância antes de precisarem de doses mais elevadas para obterem a mesma sensação.
Para outras pessoas, os efeitos secundários são debilitantes, mas as abstinências são piores, levando a uma dependência que impede a qualidade de vida.
Sarah*, uma assistente social de 44 anos que vive em Londres, recebeu prescrição de pregabalina para a fibromialgia, uma doença caracterizada por uma dor crónica, e também sofreu de sintomas de abstinência extremos depois de ter decidido deixar de tomar o medicamento quando este deixou de ser eficaz para a dor.
"Acabei por sofrer de depressão, ansiedade, tendências suicidas, arrepios gelados graves, zumbidos extremamente fortes, tonturas e convulsões, que não tinha antes deste medicamento. Deixei de tomar [pregabalina] durante quase quatro anos e continuo a debater-me com as crises de abstinência a longo prazo", conta.
A pregabalina pode causar efeitos secundários como nevoeiro cerebral, fadiga e depressão. Canva
Caroline, uma prestadora de cuidados que vive no Reino Unido e que foi medicada com pregabalina para dores nos nervos, referiu como efeitos secundários o aumento de peso, um terrível nevoeiro cerebral, problemas de memória e até dentes partidos e soltos.
"Estou absolutamente aterrorizada com a possibilidade de deixar de tomar este medicamento", diz a mulher de 55 anos.
Os que estão a sofrer têm recorrido a espaços de apoio online, incluindo o grupo privado do Facebook (NASDAQ:META) "Lyrica Survivors (Pregabalin and Gabapentin Support)", que tem mais de 15 mil membros.
"A vida das pessoas tem sido devastada por este medicamento, incluindo a perda do emprego, ações legais devido à alteração do estado mental provocada pelo medicamento, crianças retiradas de casa, famílias separadas, dificuldades financeiras e, claro, incapacidade permanente em muitos casos", afirma Amy Ireland, administradora do grupo do Facebook.
A maioria dos membros procura orientação sobre como deixar de tomar o medicamento, sendo o principal objetivo do grupo sensibilizar para os efeitos indutores de dependência deste tipo de droga, conhecida como gabapentinóide.
"Muitas pessoas pensam que os efeitos de abstinência significam que se está viciado no medicamento, o que implica algum tipo de uso indevido. Não é o caso", explica Mark Horowitz, psiquiatra especializado em ajudar pessoas a deixar de tomar medicamentos psiquiátricos.
"A dependência física é uma resposta previsível do corpo e do cérebro à exposição repetida a drogas psicoativas como a pregabalina", acrescenta.
Como ajudar as pessoas dependentes da pregabalina
A redução do consumo de pregabalina deve ser efetuada de forma extremamente lenta. Canva
Com o aumento das prescrições do fármaco, há quem diga que continua a haver falta de serviços de apoio às pessoas que se sentem presas a este medicamento.
"Os três princípios básicos para parar com segurança de tomar gabapentinóides como a pregabalina são, em primeiro lugar, fazê-lo lentamente. As pessoas podem levar meses ou mesmo anos para deixar de tomar medicamentos que tomam há muitos anos", explica Horowitz, que dirige uma clínica em Londres para ajudar as pessoas a deixar de tomar medicamentos psiquiátricos.
"O segundo princípio é que toda a gente é um pouco diferente. Existem provavelmente fatores de risco, como por exemplo, quanto mais tempo se toma os medicamentos ou quanto mais elevada é a dose, mais difícil é parar", defende.
No entanto, salienta que não tem havido muita investigação sobre os potenciais fatores de risco individuais, sendo necessário tentar e errar com cada doente.
O terceiro e último princípio para parar a pregabalina é conhecido como redução hiperbólica, o que significa reduzir gradualmente a quantidade que alguém está a tomar.
Temos estado presos neste ciclo de tentar encontrar a "bala mágica" para resolver a ansiedade.
Mark Horowitz Psiquiatra
"À medida que se chega a doses mais baixas, é preciso ir cada vez mais devagar, como se estivesse a descer um penhasco vertical", refere.
Horowitz acredita que os médicos precisam de reavaliar as formas de tratamento a curto prazo das doenças mentais, como a ansiedade.
"A pregabalina é um medicamento perigoso. É uma das causas mais rápidas de overdoses acidentais. Afeta a forma como pensamos, afeta a memória e a cognição. Afeta o sono, causa problemas de peso. Há toda uma série de efeitos negativos para o consumo a longo prazo. E é difícil parar".
"Temos estado presos neste ciclo de tentar encontrar a 'bala mágica' para resolver a ansiedade, e não creio que haja um medicamento que tenha efeitos a longo prazo na ansiedade que não tenha todos estes custos", acrescenta.
Alguns especialistas afirmam que a maioria das mortes relacionadas com a pregabalina ocorre quando esta é tomada em combinação com opiáceos.
"A pregabalina pode ser eficaz e útil para muitas pessoas, mas os doentes devem seguir os conselhos do seu médico e comunicar quaisquer efeitos secundários que sintam", defende Glyn Lewis, professor de epidemiologia psiquiátrica na University College London, num comunicado.
Lewis faz parte de uma equipa que está a realizar um estudo financiado pelo NHS para investigar a eficácia da pregabalina no tratamento da ansiedade nas pessoas que não responderam aos antidepressivos. O estudo também investigará se há sintomas de abstinência quando a medicação é interrompida.
Aprovada pela primeira vez em 2004 e vendida pelo fabricante de medicamentos Pfizer (NYSE:PFE), as prescrições de pregabalina aumentaram em toda a Europa, de acordo com uma investigação publicada em 2021.
O estudo refere que, na Suécia, por exemplo, a pregabalina foi encontrada em 28% das intoxicações fatais entre toxicodependentes.
*Nome alterado a pedido do entrevistado