Por Sergio Goncalves
LISBOA, 8 Nov (Reuters) - Os mercados mantêm comportamentos errados e riscos idênticos aos que precederam a crise financeira global de 2008, sem que tenha havido uma suficiente coordenação dos remédios, enquanto os progressos na 'governance' ficaram aquém do desejado, disse o Presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
"Encontramos hoje situações preocupantemente paralelas às que precederam os acontecimentos de 2007-2008", alertou o Presidente da CMVM, Carlos Tavares, num artigo intitulado 'A crise financeira: aprendemos as lições?', publicado no site do regulador (www.cmvm.pt).
Explicou que "são os casos do comportamento dos preços de vários activos financeiros e reais, do excesso de endividamento da generalidade dos agentes, da disseminação e tomada de riscos excessivos por diversas categorias de investidores e da subsistência de partes substanciais dos mercados com défices de transparência".
Carlos Tavares frisou que "o conhecimento dos riscos é hoje mais perfeito, já a actuação no sentido da sua redução tem-se revelado mais problemática".
"O próprio diagnóstico da situação e dos possíveis remédios não se tem revelado totalmente coordenado", afirmou.
"Em particular, a visão das autoridades de supervisão de mercados (através da IOSCO e da ESMA, por exemplo) e as dos supervisores prudenciais e dos bancos centrais nem sempre têm sido coincidentes e articuladas (apesar de podermos descortinar alguns progressos no passado mais recente, designadamente através do ESRB)".
Reiterou que "o conhecimento dos riscos é maior dos que há oito anos, e as áreas que se revelaram mais problemáticas nessa altura - como os derivados OTC e a securitização - estão mais reguladas e controladas".
NOVAS ZONAS RISCO
"Em compensação, novas zonas de risco surgiram, desta vez em produtos mais simples - como os riscos de crédito e taxa de juro no mercado obrigacionista - ou em novos produtos complexos (ETF, opções binárias) e mesmo como consequência não desejada da nova regulamentação", avisou Carlos Tavares.
Neste último caso estão, por exemplo, "os riscos decorrentes da possível escassez de colateral para assegurar as obrigações decorrentes da regulação do mercado de derivados OTC (EMIR)".
"Escassez que já tem levado alguns bancos a desenvolver novas linhas de negócio baseadas na cedência de colateral de boa qualidade a participantes daquele mercado, o que estabelece um novo canal de contágio de risco ao sistema bancário", disse.
Adiantou que também se viu "como a política monetária adoptada em reacção à crise tem contribuído para gerar novos riscos nos mercados financeiros".
"Nova é também a situação de parte significativa dos riscos (sobretudo de taxa de juro) acumulados no mercado obrigacionista estarem nos balanços muito ampliados dos bancos centrais, o que, para além do mais, representa um constrangimento à prossecução dos seus próprios objectivos", vincou.
TOO BIG TO FAIL
Carlos Tavares realçou que, "embora com alguma quebra de valor nos anos que se seguiram ao desencadear da crise, continuou a assistir-se a um grande número de fusões de instituições financeiras com particular pujança em 2014 e 2015 e que parece continuar em 2016".
Afirmou que, "nos Estados Unidos, quer em número quer em montante de activos, os últimos anos superam já os de 2006 e 2007, o mesmo se passando no espaço fora da Europa e dos Estados Unidos".
Adiantou que "este movimento decorre, em muitos mercados, da constatação da necessidade de reduzir o excesso de oferta de serviços financeiros através da concentração bancária e da consequente redução do número de instituições".
"Ele foi particularmente notório nos Estados Unidos onde, no espaço de 20 anos, 37 dos maiores bancos deram origem a apenas 4 bancos!", vincou o Presidente da CMVM.
"Estes factos levam-nos a pensar que o objectivo declarado de evitar designadamente a situação do chamado "too big to fail" - que contém um forte elemento de risco moral incentivador de uma cultura de risco agressiva - poderá não estar a ser totalmente conseguido", alertou.
No entanto, "haveria outra alternativa para reduzir o excesso de oferta: diminuir a dimensão dos bancos existentes".
"Esta seria até uma via mais consistente com as conclusões sobre as origens e remédios da crise, conduzindo a bancos mais pequenos e necessariamente mais simples e, sobretudo, mais fáceis de supervisionar".
AQUÉM DESEJÁVEL
Destacou que, "infelizmente, parece consensual que os progressos no governo das instituições financeiras, em geral, ficam aquém do desejável".
"Infelizmente, como vimos nos pontos anteriores, as políticas de gestão de riscos e os comportamentos de diversas variáveis trazem-nos muitas vezes a indesejável memória dos anos que precederam 2007/2008", referiu Carlos Tavares.
O Presidente da CMVM espera que "a síndrome do 'desta vez é diferente', tão bem caracterizado por Reinhart e Rogoff (2010), não volte a turvar o discernimento dos decisores, como tantas vezes tem acontecido na história financeira".
Sublinhou que, "no final, tudo acaba por desembocar na questão essencial: a qualidade profissional e ética das pessoas que actuam nos mercados financeiros".
Explicou que, "por muito perfeitos que sejam os modelos de governo societário ou os modelos de supervisão, eles valerão de muito pouco se forem postos em prática pelas pessoas erradas".
"A verdade é que não há bons modelos que resistam às más pessoas E é por isso que todos - mas mesmo todos - os que têm responsabilidades nos mercados financeiros não devem cansar-se de formular e procurar a resposta para a simples pergunta: aprendemos com os erros passados?". (Por Sérgio Gonçalves; Editado por Daniel Alvarenga)